«Visto de fora, parece que Luís Montenegro não conseguiu ainda sair das lutas políticas das juventudes partidárias para ganhar a associação de estudantes local. O país e os portugueses merecem o respeito que a clareza nas palavras permitem. O primeiro-ministro prefere brindar-nos com hábeis truques», escreveu João Vieira Pereira, director do Expresso. Ao Público, diz António Costa Pinto: «É muito difícil explicar como é que um político experiente comete este erro».
A primeira perspectiva é notória praticamente desde que este Governo tomou posse. E, por muito que alguns prefiram imediatamente rotular de «jornalixo» aquilo que é uma opinião, ela acaba por ganhar sustentação, quer porque outras vozes a vão corroborando, quer porque o próprio Governo a ela cede. Quando temos um ministro como Castro Almeida a fazer afirmações estruturadas em «se, então», soa a uma certa chantagem emocional, ou a um discurso muito típico dos tempos do «cavaquismo». A imediata desautorização de outros colegas foi um sinal disso mesmo. Já não vivemos nesses tempos.
O certo é que, de repente, estamos no epicentro de mais uma tempestade política. E o certo, também, é que muito do enredo em que os políticos parecem teimar em envolver-se não é mais do que um vestir da camisa de forças que eles próprios criaram. Ao promoverem um edifício legislativo que garantissea transparência, encheram-no com mais burocracia e abriram-lhe estas janelas, das quais, cada vez mais frequentemente, são obrigados a saltar, com ou sem páraquedas.
Se das últimas eleições legislativas resultou um sistema partidário altamente fragmentado, e tendo em conta as fragilidades das lideranças dos maiores partidos, o que se avizinha, para além de uma enorme incógnita, não nos permite grande optimismo. De facto, o Primeiro-Ministro não pode permitir-se ser «cozinhado em lume brando», ao sabor de constantes notícias, que vão acrescentando tempero ao caldo já suficientemente consistente de questões que, por muito que sejam respondidas, permanecerão sempre por responder. Por outro lado, a Oposição vive um momento de «ainda não», e este turbilhão de acontecimentos parece ter apanhado toda a gente de surpresa. Aparentemente, ninguém estava preparado para isto.
Podemos olhar para esta crise de várias formas. Como «mais do mesmo», ou como um forte sintoma da doença profunda que muitos diagnosticam constantemente: a corrupção. Normalizarmos esta questão, não parece ser o caminho. Colocar isto sob o chapéu da corrupção, a escapatória mais fácil. Em todo o caso, encontramos aqui uma falta de transparência a que os políticos nos vão habituando. Mais uma vez, por culpa própria, por não conseguirem clarificar o conceito de corrupção e por não conseguirem posicionar-se como deve ser perante esse conceito (volátil).
Por outro lado, esta pode ser uma oportunidade para os partidos pelo menos tentarem reinventar-se, na busca da confiança do eleitorado. Pode ser uma oportunidade de trazermos para o debate a ética, a transparência, a definição clara do que queremos e não queremos, e sobretudo do que se pode e não pode fazer. Se, num primeiro olhar, estas eleições são um teste à credibilidade de Luís Montenegro, num segundo são também uma prova de fogo para Pedro Nuno Santos. Mas, mais do que isso, poderão ser um importante exame de consciência à própria democracia. Porque, depois da fragmentação, abriu-se uma porta difícil de fechar, ou que talvez só se feche quando, à frente dos grandes partidos, possamos ter gente «à prova de bala».