Cair em saco roto…

“Eu vou embora, e vocês procurarão por mim, e morrerão em seus pecados. Para onde vou, vocês não podem ir”.

(João 8: 21-30)

Há quem diga que os nossos tempos, são tempos de modernidade tardia, tempos do efémero, do banal e do hedonismo alienante. Um tempo social que se transforma numa espécie de saco roto, onde as coisas se acumulam sem sentido ontológico.

O povo faz uso desta expressão com aquela sabedoria que lhe advém da experiência vivida para chamar a atenção para o essencial e estrutural da realidade social, em detrimento do meter vida em saco roto. Não tomar consciência dos problemas, não tomar as decisões certas no momento adequado. Neste tempo, sem mandato histórico, os homens são mais propensos para as vaidades, para a valorização do efémero, para a alegria contagiante do festivo patológico, que nos impede de ter um olhar critico e operante dos problemas concretos da vida. Remetemos para segundo plano, as coisas da vida, que alguns cientistas classificam como estruturantes e fundantes do social e ecológico.

Na realidade, o nosso tempo é antropologicamente mais vazio de realismo e fraco de acção no que diz respeito à forma como resolvemos os problemas do mundo. O homem transforma-se numa espécie de máquina humana, onde reina o anonimato, a massificação e a ditadura do algoritmo que determina e organiza a vida quotidiana num tempo deslocado, fragmentado e vigilante.

Já não estamos perante um corpo antropológico com vida, com memória, com singularidade, com personalidade, consciente de si e do seu lugar social e ecológico, mas perante uma “máquina desejante” onde reina o fragmento identitário e a desconstrução social do mundo. A velha relação do homem-corpo com o homem-tempo degradou-se, esvaziou-se de sentido, o corpo já não é lugar nem microcosmos habitáveis. A irritante e periclitante existência humana remete para esse vazio de palavra e de comunidade, para este mundo sem corpo e sem tempo, onde reina a festividade cíclica que ignora a história dos gestos, da música, da corporeidade compreensível das coisas belas e naturais.

Estamos perante um homem-máquina, incapaz de compreender e de conhecer os problemas do mundo real, que mergulha a sua triste existência num carrossel mágico de consumos hilariantes e frenéticos, que vão desde as redes sociais até à sua praça local convertida em palco de eventos incessantes que reforçam a natureza patológica e neurótica do homem pós-moderno.

Não mais existirá possibilidade de olhar a sua rua, a sua praça, a sua vila como espaço fundante de comunidades vivas de experiências, onde o “nós” se estrutura numa dialética humanista com a comunidade fundadora.  O corpo como lugar permite esse abraçar do mundo, que potencia essa relação ontológica entre o ser e o dever ser, entre o existir e o verbo. Esse lugar de vizinhos, de seres conhecidos que partilhavam a história e o tempo, a memória e a vida contemplativa, o folclore e a música, a criação colectiva e a afirmação individual foi-se desconstruindo em benefício do espectacular e do mercado globalizado.

A nossa Vila e Terra de Arouca mergulha nestes tempos pós-modernos sem sentido crítico e sem cautela, abraça o banal e o desconhecido programado, sem sentido critico e sem querer perceber quais são as consequências deste “beijo”, profético para uns, e fonte de medos e de escatologia para outros.

A nossa Vila é uma festa, onde reina a felicidade absoluta e os prazeres da boca e da carne são delícias de deuses. Os dias são dias felizes. Viva Arouca. A nossa Terra é linda. Os nossos doces são mágicos e belos. A nossa gastronomia é única e tem sabores de receitas conventuais. As nossas paisagens são antigas e belas. Rodeadas de árvores muito antigas com estórias e lendas para encantar turistas. Um reino maravilhoso onde habitam fadas e príncipes encantados e os animais ainda não perderam a fala e a palavra. Os nossos hotéis são únicos. As nossas quintas de recreio com os seus animais exóticos fazem lembrar as savanas de África. Os turistas vão substituir as freirinhas de hábito branco. As matinas de silêncio e de adoração são substituídas pelas noites brancas de Arouca. O pecado domina e os anjos trombeteiros anunciam como Arouca é linda de morrer!

Os governantes locais são os mordomos desta magnífica festança. O povo continua a ser o bobo da corte, ocupa lugar de representação, vai no cortejo e abre alas aos senhores donatários, mas no fim de mês faz contas ao dinheiro que não sobrou; enquanto o capitalista local enche a pança de doces e os cofres de euros. F. Matos Rodrigues

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