Os incêndios do mês passado são tema difícil de evitar. O assunto é, infeliz e lamentavelmente, recorrente. Tão recorrente, frequente e mesmo previsível, que existe o risco de deixarmos de olhar estes eventos como uma patologia. Estes eventos, com este grau de magnitude e gravidade, nada têm de normal.
Há pouco mais de um ano, em junho de 2023, escrevia nesta coluna que o problema se vem agudizando – com mais vítimas, criticidade e descontrolo, e também com mais área ardida. Desde o fatídico ano de 2017, o número de ignições diminuiu, mas a área total ardida não acompanhou a tendência. O que revela dois pontos importantes: 1. que a dimensão de cada incêndio vem crescendo, com mais área ardida por cada foco, e 2. que pode existir um duplo efeito, contraditório, para a diminuição das ignições: por um lado, maior consciência social para cuidados a ter com queimas e queimadas (ainda que a maioria dos incêndios continuem a ocorrer junto de povoações) e, por outro, uma diminuição de povoações, habitadas e/ou com atividade humana, junto a zonas florestais. Estes efeitos, associados a fatores climáticos e à cultura de inação/aceitação (como os diversos últimos Planos de Ação), não apontam um cenário benevolente.
Não podemos tratar um problema estrutural sem mexer na estrutura, apenas acreditando que o assunto se resolverá, num ápice, proibindo a natureza dos seus processos, impondo dinâmicas inorgânicas à sociedade ou ignorando que este é, também (largamente), um problema económico.
É fácil perceber que, fazendo um corte de mato em março, chegado setembro, existe matéria suficiente para não impedir a propagação de um incêndio. Também se compreende sem dificuldade que a fixação de população em zonas não urbanas (como, por exemplo, fora do núcleo da vila de Arouca) é custosa, ora porque não há oportunidades de carreira, ora porque os serviços e atividade cultural estão longe, ora porque simplesmente não se o pode impor. Por fim, é vulgar o facto de que a atividade económica viável que gravitava em torno da floresta há meio século (com recolha de lenha para cozinhar e aquecer, mato para a cama dos animais ou resina para colas) se encontra reduzida, hoje, à produção de pasta de papel e, ocasionalmente, à produção de madeira de pinho.
No fundo, é simples perceber que a natureza tem os seus processos (onde se inclui o crescimento da vegetação e o fogo), que a sociedade não se pode fixar no interior por caridade ou imposição e que a economia florestal viável e sustentável é hoje praticamente inexistente.
Em Arouca, estas dimensões têm uma maior expressão, em particular por ser um território com grande área florestal (cerca de 55% do concelho é coberto de floresta, a que soma cerca de 30% de áreas de mato), com parte da economia regional a depender da exploração florestal (extração e transformação de madeiras) e por ter uma grande quantidade de aldeias e povoações próximas (ou mesmo circundadas) de floresta. Além disso, a dependência económica do concelho face à atividade turística (sobre o qual escrevi, em parte, no mês passado), nomeadamente (e bem!) o turismo de natureza e os Passadiços como atração-âncora, torna o município vulnerável a estes eventos e que cada incêndio tenha impactos acrescidos sobre a população, obrigando a assegurar uma estratégia sustentável de gestão florestal e do território.
Para isso, é necessário reabilitar a economia florestal, permitindo maior rentabilidade a quem cuida bem a floresta, agarrando oportunidades de reforma florestal, como a transição energética, integrando proprietários, comunidades e agentes do setor (como celuloses), e assegurando viabilidade económica e sustentabilidade ao ciclo florestal. É também necessário mapear riscos e agir sobre eles. Percebe-se que a área agora ardida é quase complementar à área ardida no concelho entre 2015 e 2017. É hora de atuar sobre a gestão de impactos nas áreas afetadas, mas também olhar as áreas que (desta vez) não arderam, gerindo o risco aí existente. Não o fazendo, voltaremos a assistir a esta catástrofe. Uma vez mais.
Uma vez mais
Outros Artigos de Interesse
Opinião
MARINA PERESTRELO: «As nossas mães e avós jamais expunham o seu corpo na dança»
A Feira das Colheitas e a “vergonha” do folclore arouquense
Opinião
«Designado por Código de Hamurabi, perpetuou, como nenhum outro feito seu, o nome do seu criador»