Junto-me nesta reflexão àqueles que se vão dando conta de que corremos o risco de banalizar o essencial do Natal, embrulhando-o nas propostas do mercantilismo sedutor. “Que a pressa com que gerimos os dias não nos iluda quanto à necessidade da lentidão para nos abeirarmos do essencial”. (Tolentino Mendonça)
Vivemos tempo da vinda de Jesus de Nazaré à história de toda a família humana: à vida de cada um de nós. “De que te serviria que Jesus nascesse cem vezes em Belém, se Ele não nascesse na tua alma?”, pergunta Angelus Silesius, um presbítero, médico e poeta alemão do séc. XVII.
Quando Jesus entrou na nossa história pelo ventre de Maria, deu com portas e corações fechados em Belém…Não havia lugar para peregrinos ou migrantes… Ele bate hoje à nossa porta.
Vem daí a festa que inaugurámos, promovemos e nos invade a todos, crianças e adultos, nestes dias: ELE está connosco, bate à nossa porta. Alegremo-nos e festejemos.
Preparamo-nos para a celebração festiva decorando as vilas e cidades com deslumbrantes Árvores de Natal orgulhosamente erguidas e iluminadas; promovemos espectáculos de cor e de som para crianças e adultos; as famílias reúnem-se; os amigos saúdam-se. As lojas com vitrines apelativas expõem uma infinidade de produtos alusivos à quadra e a gastronomia associa-se com especialidades culinárias da época e de cada terra. É verdade que o Presépio, evocação singela e tradicional do cenário de Belém, vai sendo substituído pela entronização do Pai-natal, associado à distribuição de presentes sobretudo às crianças. Muitos preferem investir mais em “presenças vivas do que nos banais presentes já confeccionados que utilizamos para substituir o insubstituível seja isso o afecto, o perdão, a relação, a partilha” (Tolentino Mendonça). Nas igrejas missas com cânticos apropriados, as tradicionais cerimónias, o beijar do Menino – expressões dos também tradicionais hábitos e convicções religiosos.
Mas Jesus que bate hoje à nossa porta fica lá fora? Encontrará fé nas nossas convicções religiosas?
É que o Natal é essencialmente a celebração, o reviver litúrgico, de um dos alicerces e pilares do Cristianismo: o mistério da Encarnação. A poesia cativante do Natal, o clima festivo que nos envolve a todos pode capturar ou obscurecer o verdadeiro significado do acontecimento inaugural de Belém.
O que é que temos andado a dizer e a fazer para termos transformado o Jesus do Evangelho e da fé cristã num Menino Jesus que “põe presentes no sapatinho” e que se vai tornando irrelevante face à concorrência…?
Às crianças, Jesus chega como a criança que foi; aos adultos, chega como um adulto que foi e que espera de nós uma fé adulta que seja convicção esclarecida e caminho nunca interrompido para a maturidade cristã. Jesus diz-nos que devemos “voltar a ser como crianças”, mas não diz que devemos permanecer crianças mantendo e contentando-nos com ideias e atitudes infantis. Voltar a ser como as crianças? Sim, mas na capacidade de aprender e amadurecer das crianças. “A nossa fé não pode ficar presa às fraldas”, protesta Tomas Halik.
A história, que apenas começou em Belém, está ainda em aberto. Ela cumpre-se em nós quando o Jesus de Belém, “renasce” em cada circunstância do nosso quotidiano. A. Teixeira Coelho