À boleia das reivindicações da comunidade local – muito potenciadas pelo controverso projeto da escola do Bacelo – nem executivo nem oposição têm conseguido defender e discutir, com a profundidade que merece, a valorização do património imaterial de Tropeço. Um património que deveria ser um eixo de valorização deste território (muito esquecido), potenciando tradições locais e saberes específicos. Este processo tem tido uma conduta por parte dos vários intervenientes que chega mesmo a desmerecer a cultura e a memória popular da freguesia. Entre um dos eixos menorizados, por conveniência e/ou ignorância, está o ofício do linho – enraizado na freguesia. É essa memória que quero aqui defender, também como neto de uma das grandes entusiastas desta tradição: Maria Angelina de Pinho Reis (1924-2009).
Uma agradável publicação de 1943, intitulada “O Linho em Portugal”, disponível online no site da Biblioteca Nacional, revela a longa história do linho, anterior mesmo à fundação de Portugal. Refere a publicação que, em 1533, existia em Lamego uma feitoria real, sendo esta região (em conjunto com a região de Guimarães) um núcleo importantíssimo da indústria do linho e da seda – com, à data, mais de 2 000 tecedeiras (altura em que Portugal tinha aproximadamente 1,4 milhões de habitantes). Este facto poderá justificar a ligação de diversas freguesias arouquenses ao linho e em particular da freguesia de Tropeço – dado que esta freguesia foi, durante um longo período da sua história, parte do Couto de Lamego. Refere a mesma publicação que, posteriormente, por altura do reinado de Filipe III (1621-1640), Guimarães, “Coimbra, Tentúgal, Góis, Lafões, Arouca e Braga” tinham representação dominante na indústria nacional do linho. Posteriormente, o aparecimento da indústria do algodão toma o espaço do linho e, salvo “regiões mais afincadas à sua cultura, os linhares vão diminuindo de área”. Em 1940, de acordo com um Inquérito Nacional dirigido para esta publicação, existia cultura de linho em 13 freguesias de Arouca, sendo que essas culturas tinham importância relevante em duas freguesias (não especificadas).
Numa publicação um pouco mais recente, Tropeço é a única freguesia de Arouca referida no livro “Festas e Tradições Portuguesas”, Vol. VI (Ed. Círculo de Leitores), de 2002, como local onde ainda se semeia e tece o linho tradicionalmente. Fica também o registo das únicas artesãs de linho que conheço no concelho, as Dobalinho, são um polo importantíssimo na preservação e difusão deste importante saber local. Este saber, raramente valorizado, tem ecos em estudos e trabalhos relevantes, como o da artista plástica portuense Helena Cardoso, e mereceria maior projeção no muito que se vende do território arouquense (e que sei ter sido algo desmerecido pelo município após contacto de uma investigadora da área).
Restam factos, esclarecedores e contraditórios, que demonstram: 1. a centralidade e o saber da arte do linho, atestados pelos levantamentos etnográficos na freguesia, aquando da criação do museu municipal de Arouca; 2. a desvalorização (visível em diversas Assembleias Municipais) das intenções de diversos habitantes da freguesia em valorar a sua memória coletiva local; 3. a existência ali do único moinho de linho do concelho, procurado até por associações de municípios vizinhos.
Nota de rodapé: Talvez o último facto seja desconhecido, tanto do executivo como da oposição locais, dado que o lugar de Tropeço (com o mesmo nome da freguesia e uns 20 habitantes) tem sido tristemente ignorado. É um lugar sem comunicações decentes (a fibra ótica não chega apesar dos muitos avisos da população) e onde as bem divulgadas obras de proximidade ficaram ali, ironicamente próximas, a uns 400 metros. Resta a velha estrada, construída há 50 anos pelas pessoas do lugar, e a resiliência de quem (ainda) lá habita. A fixação de pessoas essa, fica-se nas palavras de ocasião. Talvez em setembro ou outubro se descubra o caminho para lá.