Ser (ou não ser) oposição

Quando vivemos os 50 anos do 25 de Abril, pode ser interessante olharmos para o conceito de oposição, e de como foi evoluindo, ou apenas ficando diferente, consoante as circunstâncias. Antes do 25 de Abril, seria, pelo menos ”aparentemente, mais fácil clarificar as posições. Se havia uma ditadura, por muitas oposições que existissem, elas confluíam num só sentido: a oposição ao regime. E, se algo as separava, muito mais as unia. Por isso, era mais fácil de perceber o que significava ser, fazer, estar na oposição. Feito o 25 de Abril, as coisas tornaram-se menos claras. Após as mudanças de poder, essa ideia de oposição fragmentou-se, e começou a desenhar-se a diferença (mais ou menos clara) entre esquerda e direita, e, progressivamente, entre as várias esquerdas e as várias direitas. Passo a passo, fomos caminhando para uma alternância partidária na gestão do país, e fomos assistindo ao surgimento e desaparecimento de algumas forças partidárias, que foram colorindo o mapa do Parlamento e contribuindo, umas mais, outras menos, para o crescimento e a solidificação da nossa democracia. Foram exemplos disso mesmo o PRD (associado à figura do General Ramalho Eanes) e o PSN, o ʻpartido dos reformadosʼ (associado à figura de Manuel Sérgio). Esta espécie de resenha pseudo-histórica, feita por alguém que não viveu em ditadura, não viveu o 25 de Abril e não sentiu na pele as diferenças é tudo menos acertada, mas, se a liberdade nos foi oferecida sem termos de lutar por ela, bem podemos usá-la para errar à vontade (e retirarmos daí as devidas ilações).
Segue-se que, hoje, é interessante olharmos para as oposições ao Governo. Se é claro que à esquerda há o tal factor de união, que é, basicamente, o de todos discordarem das linhas essenciais traçadas por quem venceu as eleições, é também claro que existe uma mancha de cinquenta deputados que funciona mais ou menos como uma substância fluida, que tanto pode escorregar para o reforço do poder, como pode, de surpresa, resvalar para a oposição.
Independente de tudo, o conceito de oposição com que fomos ficando é o de que há que encontrar todos os argumentos e mais um para sermos contra, mesmo que não tenhamos melhor alternativa ao que nos é proposto. Ao que deveria ser o conceito de oposição, podemos chamar alternativa. Oposição deveria significar termos uma alternativa e, por isso mesmo, sermos contra, porque a nossa alternativa é (acreditamos) melhor. E até mesmo concordarmos com o que condiz com o que pensamos.
Hoje, faz-se oposição de uma forma estranha. É-se do contra, sem ser-se (ou apresentar-se) alternativa. É-se oposição sem se aparecer. Como se devêssemos ser nós, o povo, a ir até à oposição, e não o contrário. Como se devêssemos ser nós a convencer a oposição de que é alternativa, e não o contrário. Hoje, faz-se oposição de forma errática. À espera de um deslize, que vire as coisas do avesso, e faça outros serem oposição.
Sá Carneiro, que tal como Mário Soares, Álvaro Cunhal, Freitas do Amaral e muitas outras figuras da política partidária, foi um construtor da nossa democracia, dizia que as mudanças estruturais se fazem mais consistentemente a partir de dentro do que em ruptura. Daí que até mesmo os que se definem como anti-sistema têm de pertencer a ele para o poderem negar, o que gera uma espécie de paradoxo. Nesse sentido, talvez a oposição deva procurar um caminho de renovação, sob pena de perpetuar-se na (o)posição em que se encontra.

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