Há quem diga (bem, segundo parece) que um ponto de vista é uma vista a partir de um ponto. De facto, duas pessoas que olhem para a mesma coisa, não estarão a ver a mesma coisa, antes coisas diferentes da mesma coisa. E isto leva-nos a uma das palavras da moda: percepção. O livro de Bobby Duffy sobre este tema, ‘Os perigos da Percepção’, é um manancial de curiosidades, mas sobretudo de factos acerca da forma como percepcionamos o mundo, de como acerca dele temos ideias absolutamente distorcidas e distantes da realidade.
Frequentemente, somos influenciados por equívocos, ou apenas escolhemos ver a realidade à nossa maneira e procuramos informações que o corroborem, ou preferimos não sair da zona de conforto ou do preconceito, ou aceitamos, sem qualquer crítica ou confirmação, o que a comunicação social nos dá como verdade. Subestimamos informações importantes. Aceitamos a informação distorcida que é amplificada das mais diversas formas (da comunicação social, às redes sociais). Tendemos a procurar e privilegiar informações que corroborem as nossas crenças e preconceitos. Abrimos a porta a propostas políticas que se propõem resolver problemas menos relevantes do que efectivamente são (ou até mesmo inexistentes), negligenciando questões efectivamente importantes (ou cedemos facilmente à proposta de solução simples e imediata – ao populismo?). Somos eco de informações distorcidas, ou mesmo falsas, contribuindo para que ‘uma mentira repetida muitas vezes se transforme em verdade’.
Aqui chegados, debrucemo-nos sobre dois ou três factos. Em várias reuniões e fóruns, desde o Verão de 2024, o senhor Ministro da Coesão afirmou que Arouca iria, em breve, ter boas notícias sobre a conclusão da via estruturante, que vem (com justiça) reclamando. O mesmo afirmou o senhor Secretário de Estado da Agricultura, em Setembro de 2024, de viva voz, na cerimónia de abertura da Feira das Colheitas. Em Outubro de 2024, e com base na informação de fontes sociais-democratas, lemos que «o Orçamento do Estado para 2025 contempla uma rubrica para a obra que fechará a variante (…) com uma verba de 28 milhões de euros. (…) O investimento será na ordem dos 80 milhões de euros, e a concretização desta ambição concelhia representa “muito trabalho de diplomacia junto de membros do governo ao mais alto nível, e é um momento de regozijo e satisfação por esta conquista estrutural para Arouca”. Aprovado o Orçamento de Estado na Assembleia da República, está prevista a consignação daquela primeira verba à Infraestruturas de Portugal [organismo público que será a entidade dona da obra] no início do próximo ano, numa cerimónia oficial que reunirá em Arouca ministros do actual governo».
Mais dois ou três factos. Na documentação do Orçamento do Estado, as verbas previstas para este e os próximos anos são de zero euros. A Infraestruturas de Portugal não tem, à data, projecto de execução fechado para a obra. Estamos em meados de Fevereiro, e não há no horizonte data para a consignação, nem tão pouco para a cerimónia que a assinale.
E é aqui que voltamos aos ‘Perigos da Percepção’. Que nos alerta para que questionemos sempre aquilo em que acreditamos e o que acreditamos saber sobre tudo e mais alguma coisa. Que nos mostra que as nossas percepções podem ser manipuladas ou enviesadas. Que devemos sempre interpretar a informação de forma crítica, e, também dessa forma, contribuir para uma sociedade mais bem informada, mas sobretudo mais justa e mais verdadeira (ou, pelo menos, mais comprometida com a verdade).