PDM: A urgente necessidade de corrigir e alterar falhas de sustentabilidade e transparência

O recente processo de alteração do Plano Diretor Municipal (PDM).

Aprovado em Assembleia Municipal a 30 de dezembro de 2024, levanta uma série de questões e preocupações. A proposta, que estabelece novas regras para a construção em terrenos classificados como rústicos, é vista por muitos como incoerente, pouco transparente e, em muitos casos, inaplicável. O debate sobre essa alteração revela não apenas falhas nas definições urbanísticas, mas também um processo de aprovação apressado, sem o devido esclarecimento e discussão com a população e os responsáveis políticos locais.


A Restrição à Construção nos Solos Rústicos: Uma Medida Excessiva

Uma das alterações mais polémicas é a proibição de construção de habitação nos terrenos classificados como Espaço Agrícola, Espaço Florestal, Espaço Natural e Aglomerados Rurais. A exceção permitida pela nova proposta de alteração diz respeito à construção de habitação unifamiliar, mas apenas para agricultores, desde que comprovada a necessidade de aproveitamento produtivo do solo rústico em explorações sustentáveis. Ou seja, a construção de habitações será limitada a um grupo específico, os agricultores, o que, embora justificado por uma lógica de aproveitamento do solo para fins produtivos, impõe uma restrição severa que afeta uma ampla gama de cidadãos, sem uma explicação clara e fundamentada sobre como essa comprovação será feita.

Esta medida, sem dúvida, precisa de uma revisão urgente. A falta de critérios claros sobre como comprovar essa necessidade de construção e o que constitui uma “exploração sustentável” tem gerado insegurança entre os munícipes. Além disso, a inexistência de um sistema de verificação eficaz destas alegações coloca em risco a transparência e a aplicabilidade dessa norma.


Falta de Clareza e Transparência no Processo

Outro ponto crítico é a falta de comunicação eficaz durante o processo de discussão pública e entre os diferentes atores envolvidos. Os membros da Câmara Municipal, os autarcas, as juntas de freguesia e os munícipes não receberam resposta nem os devidos esclarecimentos sobre os impactos das alterações propostas. A proposta foi elaborada por técnicos da Divisão de Planeamento e Ordenamento do Território, mas com pouco envolvimento da comunidade e sem o devido esclarecimento sobre as novas regras e definições. A aprovação apressada, sem um debate aberto e fundamentado, mostra uma gestão duvidosa com falha no processo de execução, que deveria ser mais participativo e transparente.

Dos casos mais graves destacam-se:

a) Os aglomerados rurais, que antes eram classificados como aglomerados urbanos, mas que agora foram reclassificados como solo rústico. A consequência direta disso é a impossibilidade de construção de habitação, a não ser para agricultores. Esta medida contradiz declarações da presidente da Câmara e da chefe da divisão de planeamento aquando da aprovação do PDM na última Assembleia Municipal, que afirmaram categoricamente que a construção seria permitida em aglomerados rurais, mesmo para não agricultores. Tal incoerência gera incertezas quanto à real aplicabilidade do plano e à confiança da população nas decisões municipais.

b) Espaços de Equipamentos. O balizamento rigoroso das regras de construção nos “espaços de equipamentos”, como definidos no n.º 1 do artigo 53 do regulamento, visa a instalação de “equipamentos públicos ou de interesse público ou reservados para a sua expansão ou para a instalação de novos equipamentos”. No entanto, ao estabelecer regras tão restritivas e limitativas, especialmente as do n.º 4 e da alínea b) do n.º 5 do referido artigo, sem considerar os alertas feitos durante a discussão pública por instituições e membros da Assembleia Municipal, está-se a dificultar ou até impossibilitar a construção de equipamentos essenciais, reconhecidos pela comunidade como de grande importância e necessidade.

Em particular, a limitação da fachada de edifícios destinados a equipamentos, que não pode ultrapassar os 20m, parece não ter sido adequadamente justificada. Ao comparar essa restrição com os parâmetros para a construção de uma habitação, que permite uma fachada de até 10m em edifícios de dois pisos, nota-se uma falta de coerência nos critérios de dimensionamento para diferentes tipos de edifícios.

Os edifícios destinados a equipamentos exigem um pé-direito superior devido às necessidades técnicas (como sistemas de iluminação, ar condicionado e segurança contra incêndios), o que torna inadequada a limitação de 20m de fachada. Em contrapartida, um edifício residencial de apenas um fogo pode ter uma fachada de 10m, criando uma disparidade de parâmetros que não condiz com as especificidades de cada tipo de edifício ou equipamento. Assim, essas regras não só restringem a construção de equipamentos essenciais, como também resultam em critérios desproporcionados que não atendem adequadamente às necessidades de cada tipologia de edifício.

Um exemplo claro disso é o pedido de informação prévia para a construção de um novo complexo hospitalar pela Santa Casa da Misericórdia, que, durante a discussão pública do PDM, apresentou uma reclamação para que a revisão do plano levasse em conta essa intenção de projeto. No entanto, essa reclamação não foi aceite, e também foi fechada qualquer possibilidade de a Assembleia Municipal reconhecer o interesse municipal, impedindo a construção do hospital com regras especiais e de exceção.

Num momento em que o país enfrenta uma escassez de investimentos no setor da saúde, Arouca recebeu um pedido da Santa Casa da Misericórdia para a construção de um novo complexo hospitalar em solo de uso especial, na categoria de “espaços de Equipamentos”.

É importante que todos os Arouquenses compreendam o que contempla este novo complexo hospitalar, a sua relevância para o município e os seus munícipes e o atentado que o Município fez ao não ter em conta no PDM as necessidades deste projeto plasmadas quer no pedido de informação prévia (PIP), quer nos vários alertas dados aquando da discussão pública.

A volumetria proposta para o edifício é organizada por cinco pisos acima da cota da soleira e um piso abaixo da cota da soleira. Note-se, o edifício terá o mesmo número de pisos que um hotel existente nas imediações, o Hotel São Pedro.

O piso -1 (conhecido como cave) destina-se a estacionamento e zonas técnicas. O piso 1 (conhecido com r/chão ou térreo) será dedicado ao hospital, com entradas independentes para utentes e emergências. Os restantes quatro pisos serão destinados a salas de operações, exames complementares de diagnóstico (como raio x, ecografias, ressonância magnética entre outros) e quartos de internamento.

Considerando que em 2023 e 2024 a escassez de camas foi identificada como um dos principais desafios do sistema de saúde e da rede de cuidados sociais, torna-se evidente a importância vital deste equipamento para Arouca e para os Arouquenses. Este complexo hospitalar permitiria passar das atuais 27 camas de internamento para cerca de 70 a 80 camas (informação fornecida pela Santa Casa da Misericórdia com base no projeto mencionado).

Atrevo-me a perguntar, quem de nós não teve um familiar a necessitar deste internamento?

Atrevo-me a afirmar que muitos de nós iremos ter o fim de vida internados em unidades de cuidados intensivos/continuados.

c) Espaços Urbanos Centrais. Em Espaços Urbanos Centrais (C1), a permissão para a construção de 3 pisos acima da cota da soleira é uma medida desajustada, que não resolve os problemas do preço das habitações nem a sua escassez. Se analisarmos o cenário atual nesses espaços, facilmente percebemos que os prédios habitacionais e mistos já apresentam 3 a 4 pisos acima da cota da soleira.

Ao refletirmos sobre as exigências e índices de utilização do solo estabelecidos na alínea a) do nº 2 e no nº 3 do artigo 46, e aplicarmos esses critérios a um caso prático, torna-se evidente que construir o 3º piso não é rentável nem atrativo. Na verdade, isso pode até gerar um desajuste no enquadramento da intervenção urbanística. Parece ainda não ter sido compreendido que, mais importante do que o preço das habitações, é a falta delas. Com essas regras, não estamos a contribuir para a resolução da escassez de habitação nem para o correto funcionamento das leis de mercado. Maior oferta resulta numa diminuição da procura e, consequentemente, na redução do preço das habitações.

Podemos concluir que este PDM revela uma grave falta de sensibilidade e seriedade no que diz respeito às necessidades da sua população e também à área da saúde, algo que compromete a qualidade de vida e o bem-estar da população.


Definições Urbanísticas Problemáticas

A revisão do regulamento também introduziu definições e regras que não foram devidamente testadas. Por exemplo, as novas normas sobre a definição de “cave” e a conjugação com o número de pisos admitidos em construções, que incluem exigências específicas de fachada e cota de soleira, são de difícil compreensão e carecem de uma análise mais aprofundada. O fato de essas regras não terem sido testadas em casos práticos levanta sérias dúvidas sobre sua viabilidade e adequação ao contexto real de construção no Concelho.


UOPG: Uma Medida de Risco para o Planejamento Territorial

A criação de novas Unidades Operativas de Planejamento e Gestão (UOPG) sem a devida explicação sobre prazos e implicações financeiras também levanta preocupações. A reclassificação de solos rústicos como urbanos, mediante a criação de UOPGs, implica prazos curtos para a realização de projetos específicos. Caso esses projetos não sejam realizados, os terrenos podem retornar à classificação de solo rústico. A capacidade financeira e técnica da Câmara Municipal para gerir 35 novas UOPGs, cada uma com os seus próprios desafios de planeamento e execução, é altamente questionada. Essa medida parece ser mais uma tentativa de justificar a expansão urbana sem garantir os recursos necessários para a sua implementação efetiva.


A Necessidade de Revisão Urgente

Diante das diversas inconsistências e lacunas identificadas, é evidente que a Câmara Municipal precisa realizar uma revisão urgente do Plano Diretor Municipal aprovado. As incoerências nas definições e regras, a falta de clareza nos critérios de construção e os impactos negativos nas áreas rurais e espaços destinados a equipamentos exigem ajustes imediatos.

O plano foi aprovado com alterações na RAN (Reserva Agrícola Nacional) e na REN (Reserva Ecológica Nacional), sem que tais modificações tivessem obtido um parecer final, favorável ou desfavorável, pois segundo o relatório da revisão do PDM, muitas das modificações ainda aguardam a emissão dos respetivos pareceres. O mesmo ocorre com as reclassificações e alterações de classes de uso do solo, bem como a criação de novas UOPG (Unidades de Ordenamento do Planeamento Geral), que também não foram objeto de parecer da tutela. Isso levanta sérias dúvidas sobre a legalidade do plano aprovado em Assembleia Municipal, o que pode implicar consequências jurídicas.

Ademais, a gestão do planeamento territorial não pode ser fundamentada em suposições, mas deve basear-se numa análise clara, transparente e comprovada, que considere as necessidades reais da população e as capacidades efetivas do município.

Este é um momento crucial para repensar o futuro do nosso território, procurando soluções sustentáveis, claras e justas para todos. As alterações ao PDM devem ser realizadas com responsabilidade, garantindo que todas as partes envolvidas sejam devidamente ouvidas e informadas e que as propostas sejam aplicáveis e eficazes. O planeamento urbano deve atender a toda a comunidade, não apenas a um grupo restrito, promovendo o desenvolvimento sustentável sem comprometer a transparência e a equidade. Pedro Bastos (deputado municipal CDS)

Outros Artigos de Interesse

Opinião

Desperte-se enquanto é tempo!

«O novo acesso pedonal da Escola Secundária à via pública transformou o trânsito nesse local da Avenida 25 de Abril em inusitado pandemónio»
Opinião

A melhor decisão (política/técnica)

«A participação cidadã pode, de facto, promover mudanças»
Opinião

O sujeito sujeita-se a desaparecer

«O urbanismo continua a priorizar os carros ao invés do peão»