Os orçamentos participativos são os novos polidesportivos. Cada autarca quer ter o seu. Por princípio, subscrevo as motivações e os fundamentos teóricos da iniciativa. Por experiência, estou relutante.
A participação social nas decisões e opções políticas é um bem em si mesmo – mais ainda com a diminuição da participação nos partidos e associações. Além disso, a participação nos processos de decisão pode ser uma estratégia eficaz no combate à polarização e a perceções desvirtuadas da atuação política, bem como instrumento na luta contra populismos. Aproximar cidadãos do processo de decisão é, também, uma boa forma de (para lá da limitação de mandatos) evitar laivos de iluminismo decisório de agentes públicos.
Iniciativas como o Orçamento Participativo ou outras experiências nacionais e internacionais (como assembleias de cidadãos, conselhos consultivos ou consultas públicas, por exemplo) são caminhos a aprofundar. No entanto, por agora, tenho dúvidas quanto ao efeito prático do Orçamento Participativo de Arouca (OPA). Isso resulta de três razões principais que, mais do que uma crítica, são propostas de reflexão e melhoria:
- Subfinanciamento: o orçamento (máximo) dedicado aos três projetos do OPA é de 60 000€. Este valor corresponde a 0,19% do orçamento municipal. Ou seja, é como se a sociedade fosse chamada a decidir o que fazer com 2€ de um ordenado de 1045€ (ordenado médio líquido em Portugal).
- Esforço desproporcional: face ao subfinanciamento do programa, o esforço que implica é elevado. Não encontrei dados no portal Base sobre a contratação da plataforma do orçamento (Liberopinion) pelo Município de Arouca, mas contratações similares por outros municípios indicavam um valor superior a 8 000€. Ou seja, a plataforma tem um custo que representa mais de 40% do valor máximo de cada um dos três projetos selecionados; e a que, diria, se somam despesas acessórias dos fóruns de discussão, comissão de avaliação, divulgação e comunicação, etc.
- Gamificação excessiva: a forma de participação no OPA tem quase o modo de jogo ou programa de domingo, com projetos a competirem por popularidade/ votos e não (também) por qualidade intrínseca. Assim, tendem a vingar projetos mais bairristas ou de freguesias com maior número de habitantes. Ao invés, seria bom pensar um modelo em que os cidadãos tomassem parte na decisão (mesmo que de forma não vinculativa) sobre uma fatia maior do orçamento – incluindo alinhamento e priorização de investimentos apresentados por juntas de freguesia ou município.
Assim, para lá dos atos ou programas simbólicos (que, não nego, também têm a sua importância fundacional!), precisamos aprofundar e dar expressão à possibilidade de os cidadãos decidirem sobre as principais opções políticas para o território e para a comunidade onde vivem.
Autárquicas: Estamos a 10 meses de novas eleições autárquicas. E, acompanhando a Assembleia Municipal (e também a comunicação pública de membros autárquicos em funções ou da oposição), começa a notar-se o clima pré-eleitoral. Infelizmente, parece emergir um ambiente de crispação ao invés de um ambiente de apresentação sobre visões distintas para o município. A nível local, um pouco à semelhança nacional, a vozearia parece tentar disfarçar uma falta de distinção programática ou, pior, uma falta de visão e programa.
Como aqui pedia há 4 anos, seria bom que os programas, visões e ambições para o desenvolvimento do concelho pudessem vir a público a tempo da necessária discussão pública. Esta discussão é fundamental para ajudar à maior participação social e política que existe: o voto. Deixo cinco eixos que penso terem de constar nesses programas: envelhecimento, coesão territorial e social, rendimentos e conhecimento, recursos endógenos e estratégias de desenvolvimento económico.