Joana vivia numa casa pintada de azul, cercada por um jardim meticulosamente cuidado. Era uma pessoa cheia de ideais e opiniões ponderadas, mas também de hesitações crónicas. Ali ao lado, depois de uma pequena cerca de madeira, ficava a casa branca do Sr. Vespúcio.
Joana observava a vida do Sr. Vespúcio com um misto de fascínio e inquietação. Ele tinha uma rotina eficiente: fazia o indispensável no seu jardim, dedicava os mínimos à comunidade e completava as tarefas a que se propunha. No entanto, podava toscamente as roseiras, enxotava os animais com violência, não era cuidadoso com o ambiente e consumia água descontroladamente ao regar a relva. Joana refletia sobre como o Sr. Vespúcio, com o seu jeito não ortodoxo (até incorreto!), tinha resultados, enquanto ela parecia ser ineficaz, adiando projetos, como criar uma horta que a tornasse mais autossuficiente. Uma outra questão a assolava face ao vizinho: sentia que a segurança de toda a vizinhança dependia grandemente dele. O Sr. Vespúcio tinha câmaras de segurança que os protegiam, vigiava os movimentos do bosque e até o seu jeito grosseiro afastava visitas indesejadas.
Apesar da sua opinião crítica, Joana sentia que partilhavam também valores importantes: o amor à paz e à liberdade das pessoas, o respeito mútuo e até a vivência democrática em comunidade. Mas enquanto o Sr. Vespúcio agia, Joana hesitava. Ele fazia, ela apenas idealizava, perdida entre a necessidade de perfeição, a procura de controlo sobre o meio e a busca de decisões definitivas. Esta hesitação parecia apenas ter um lugar de conforto na sua constante inação.
Certa noite, o alarme da casa do vizinho começou a tocar. Joana tentou perceber se era algo em sua casa. Não vendo nada, atravessou a cerca e foi até casa do Sr. Vespúcio. Atrapalhado, ele veio à porta com o comando do alarme na mão. Era um erro do sistema, disse. Depois de episódio, e pensando que o problema vinha de uma zona de vigilância na propriedade de um vizinho, o Sr. Vespúcio restringiu o alcance da videovigilância ao seu terreno – deixando de oferecer segurança à comunidade. Na verdade, pensou ele, a vizinhança pouco contribuía para a segurança da rua.
Aquele momento de urgência, e a respetiva consequência retirada pelo vizinho, mexeu com Joana. Sentiu que a segurança de todos estava algo assente na ação do Sr. Vespúcio e que o controlo que ele parecia ter poderia ser uma ilusão. Com o episódio, a relutância à ação e a exigência pela perfeição da Joana começaram a diminuir. Mobilizou vizinhos e contribuiu com a sua parte no reforço da segurança de toda a comunidade. Pela primeira vez, agia. Em seguida, foi ao quintal e começou a preparar a terra para plantar a desejada horta. Já não importava se ficaria perfeita. Enquanto o fazia, percebeu que também ela poderia ser um alicerce da comunidade e partilhou os produtos da horta com os seus vizinhos – que, a seu tempo, retribuíam. Agora, a Joana estabelece projetos conjuntos com os vizinhos, difunde os seus valores saudáveis (para todos) e encontra um equilíbrio entre agir com autonomia e colaborar de forma saudável (mesmo com o Sr. Vespúcio).
PS.: Esta história, algo singela, pretende ter paralelo com a relação entre a Europa (ou União Europeia) e os Estados Unidos da América. Os EUA, tal como o Sr. Vespúcio, mudaram a sua atuação. A Europa, tal como a Joana, não pode paralisar com a mudança do/a residente da Casa Branca. Entramos numa nova era e devemos construir, de modo pragmático e assente nos nossos ideais e valores, sobre esse contexto. Investir na nossa própria segurança, economia e relevância geopolítica é o único caminho para construir um futuro mais independente e colaborativo.
Pequena curiosidade: Américo Vespúcio foi um mercador e cartógrafo florentino. Participou em diversas expedições no Atlântico e demonstrou que as terras descobertas nessas expedições não seriam parte da Ásia, mas antes o “Novo Mundo”. Dele deriva o nome do continente americano.