O ruído e o silêncio: formas de escolher líderes

Podemos dizer que Portugal já está a ir a votos, uma vez que mais de 330 mil eleitores já se inscreveram para o exercício do voto antecipado. E, ao dizermos isto, é inevitável que associemos a este tempo o ruído cacofónico e ensurdecedor da campanha eleitoral. Há quem peregrine até Fátima, quem faça desporto matinal na praia, quem acelere em duas rodas, quem se aventure nas cantorias de ‘karaoke’, e, inevitavelmente, quem vá às feiras, e assim se sujeite a reacções adversas, de quem acha que o lugar daqueles políticos em concreto não é, não pode ser, ali. E é nesta espécie de feira de acções que se vai gerando o espectáculo mediático e cibernético que, esperam eles, nos ajude a ponderar sobre quem serão os nossos melhores representantes.

Curiosamente, e em total contraste com estas dinâmicas, Leão XIV foi eleito Papa. À porta fechada (à chave – ‘conclave’), em silêncio, sob uma das maravilhas da arte (as pinturas da Capela Sistina), sem microfones, sem redes sociais, sem golpes mediáticos. Cento e trinta e três homens são chamados a escolher, entre si, um líder, com debate e reflexão, e com uma única ligação ‘wifi’ ao Espírito Santo, que mais não é do que um apelo à convicção espiritual e ao sentido de responsabilidade de todos e de cada um. O fumo negro anunciou a necessidade de mais reflexão e, finalmente, o fumo branco não precisou de mais explicações. Numa era altamente tecnológica, ver o mundo, parado, a olhar para uma chaminé, não deixou de ser curioso. Sem sondagens diárias. Sem campanha eleitoral. Sem tempos de antena.

A comparação é, sem dúvida, desproporcional. Estamos a falar de uma eleição do foro religioso, em contraste com um processo democrático. Cada processo tem as suas especificidades. A Igreja não apela ao sufrágio universal, da mesma forma que a democracia não apela à restrição do direito ao voto. Mas a questão é outra, e anterior ao exercício desse direito. Por que motivo a escolha dos nossos líderes civis, escolha que vai afectar directamente o nosso dia-a-dia, tem de ser tão ruidosa, tão encenada, tão cansativa? Não estará este ruído constante, em espiral, multicolor a afastar-nos, cidadãos, da política? Não estará esta dinâmica a aproximar mais a política do teatro do que da verdade?

As campanhas políticas são verdadeiras corridas contra o tempo, ao longo de algumas semanas; já o conclave, não tem pressa. Os políticos são reféns da imagem, e facilmente caem na ruína, com um mau momento. Por isso ensaiam, preparam, moldam a realidade; já o conclave procura um perfil para uma missão, que não se compadece com imagens fabricadas. Por outro lado, as eleições ganham-se ou perdem-se. Há sempre um emaranhado de alianças, movimentações estratégicas, promessas que sabemos que não podem ser cumpridas, e raramente ou nunca se coloca a possibilidade de procurarmos consensos e propósitos comuns. A necessidade de se dar visibilidade (e, alegadamente, transparência) ao debate público fomenta essa teatralidade que rouba a essência à política, roubando-lhe, assim, a verdade, acabando por fragilizar a democracia.

Entre o ruído e o silêncio, é muito difícil encontrarmos o equilíbrio são. Num clima de ‘mata-mata’, os políticos são facilmente arrastados para formas de agir, de estar e até de ser que nem sempre lhes são naturais. Jogam pelas regras do jogo. Desse jogo que, ao contrário da ponderação, do recato, do silêncio e do apelo à reflexão, é ruidoso, palavroso e espectacular. Podíamos aprender algo com o conclave. Podíamos, mas não seria, certamente, a mesma coisa.

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