Desejámo-nos um Bom Ano. O ano novo para ser bom tem que ser novo, diferente, já que o que terminou foi demasiado mau. Lembra Virgílio Ferreira “o que mais importa não é o novo que se vê, mas o que se vê de novo no que já tínhamos visto”.
Sugestão para uma reflexão oportuna também para cada um de nós, cristãos.
Reunimo-nos na igreja para a missa segundo “aquilo que é dado”. Cada qual com a sua devoção, com a sua fé, vai ocupando o seu lugar. E vai-se compondo a assembleia no silêncio geral, numa espécie de “rigidez muscular”, à espera que chegue o padre para que a cerimónia comece.
Muito pouco ali deixa supor que estamos reunidos para celebrar a ressurreição do Senhor.
Será apenas o instinto religioso, o medo e a necessidade do “Deus, Senhor Supremo, de quem dependemos e que tememos”, que para ali nos encaminham?
Somos gente religiosa. Todos, mesmo aqueles de nós que o negam em afirmação mais ou menos consciente e “prometeica” da sua autossuficiência. É que todos somos criaturas. E ser criatura é ser frágil, viver numa relação explicita ou implícita, mas umbilical, com o Criador. “Deus é eu viver e isso não ser tudo”, deixou reflectido Fernando Pessoa. Religiosos somos todos, os humanos. Por isso é que nas trincheiras, nas situações limite, não há ateus.
Mas… reunidos para a missa, não somos apenas gente religiosa. Ali somos gente religiosa, sim, mas convertida. Ali nos reunimos impelidos pela convicção partilhada de que Jesus ressuscitado continua a sua ressurreição, aqui e agora, nas nossas vidas para a transformação de toda a Criação. Ali o altar não é uma espécie de balcão de serviços religiosos. É uma mesa para a Fracção do Pão, o sinal da presença do Jesus ressuscitado, ao lado da mesa da Palavra que nos conduz na “esperança que não engana”. Não é apenas o instinto religioso que ali nos reúne; não é para “salvar a nossa alma” que ali nos reunimos. Ali nos reunimos como comunidade para crescermos na fé: “na comunhão, na participação e na missão”.
Pode dar-se o caso de vivermos como religiosos, mas não como cristãos convertidos e esclarecidos. A dimensão religiosa pode ter diluído ou capturado em cada um de nós a condição de cristão. São muitas as expressões ou os sinais da dimensão religiosa na nossa sociedade. Significa isso que vivemos numa sociedade de cristãos? Não necessariamente. O mundo ocidental, dito cristão, não é o mundo do “capitalismo selvagem”, da “economia que mata”? E muitas comunidades cristãs não são ainda comunidades em que se vive de uma suposição implícita de que os ministros ordenados não são responsáveis perante ninguém pelo exercício da autoridade que lhes foi conferida? Uma sociedade mesmo imbuída da cultura cristã, não é necessariamente uma sociedade de cristãos; uma igreja que não pratica a sinodalidade, a prestação de contas e a transparência na actividade pastoral, nos métodos de evangelização, no modo como respeita a dignidade das pessoas, compromete evidentemente a sua identidade.
Quanto a nós, haverá que levar a sério o que o Sínodo deixou claro: “… é necessário assegurar… procedimentos de avaliação periódica do desempenho de todos os ministérios e cargos dentro da Igreja… Temos consciência de que prestarmos contas não é um trabalho burocrático por si mesmo, mas um esforço comunicativo que se revela um poderoso meio educativo” (parágrafo 107 do documento final do Sínodo). Não evoluir significa não ter futuro. Um novo ano que seja deveras novo e não mais do mesmo. A. Teixeira Coelho