Das árvores do fogo ao rapar do tacho…

«Não há nada fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar, mas o que sai do homem poderá contaminar-lho». (Marcos 7:15)

1.Falar de política é pensar sobre a forma como uma determinada comunidade ou sociedade programa e desenha o seu território, faz uso das suas águas, dos seus solos, das suas árvores e animais, das suas plantas e naturezas criadas ou inventadas. Esta reflexão pretende invocar responsabilidades políticas, éticas, morais e ambientais sobre a forma como os nossos representantes políticos transformaram e adulteraram o nosso ecossistema nas últimas cinco décadas de governação local. Todos nós vimos, como de um dia para o outro, se procedeu a uma transformação radical da nossa natureza, alterando e destruindo, acrescentando e extinguindo, contaminando ou degenerando as mais diversas naturezas em benefício de um capitalismo global que procurava uma fonte de acumulação de capital rápido e sem responsabilidade social, ambiental e geracional. 

O crescimento económico de alguns, de umas quantas empresas de celulose, retratam bem a destruição que durante estas últimas décadas foram a marca de um capitalismo de saque, que não olhou a meios materiais e sociais para instrumentalizar e manipular partidos políticos, governantes, repartições do Estado em benefício da instalação de uma monocultura económica – o capitalismo verde segundo as palavras do então primeiro ministro de Portugal Aníbal Cavaco Silva (1985-1995).

Da implementação destas políticas económicas exógenas, resultou uma agressiva eucaliptalização dos nossos montes e planaltos serranos, dando origem a processos de resistência por parte das pequenas comunidades que dependiam da criação de gado local (ovino e caprino) e claro está, dependentes dos pastos e das águas dos seus planaltos e montes locais.

Seguiram-se anos de luta, de resistência e de confrontos entre as comunidades locais e os representantes do Estado e seus aliados económico-financeiros. Ainda temos presentes os confrontos na serra da Aboboreira (Baião) com a presença musculada das forças policiais (GNR) e em Arouca a mobilização das Associações Ecologistas Nacionais e Locais (Finisterra, Quercos/Paiva e Arouca, LPN) e de Defesa do Património com a promoção de debates, conferências, visitas aos ecossistemas mais sensíveis, como forma de pressão alta sobre os partidos locais e seus representantes nas Assembleias de Freguesia, Municipais e respectivos órgãos executivos das câmaras.

Vale a pena lembrar que, em período eleitoral nos anos 80/90, o PS de Arouca, liderado pelo Carlos Esteves, Edgar Soares, Campelo de Sousa, António Tavares, Fernando Somer e eu próprio, apresentou a eleições locais um programa eleitoral, que pela primeira vez afirma que o PS é absolutamente contra a política de monocultura de eucalipto que se estava a querer implementar no nosso concelho. Foi durante a candidatura do Edgar Soares a presidente de Câmara de Arouca.  Anos mais tarde, esta disposição programática contra a eucaliptalização, levará a uma divisão dentro do PS por causa da inclusão do “Grupo Zola” nas suas listas; alguns dos destacados colaboradores e membros do movimento independente de Arouca (PDA) estavam envolvidos nos negócios das celuloses e nas decisões que permitiram a monocultura acima dos 40% da nossa área florestal. Salvou-se algum do território que se encontrava dentro da Rede Natura 2000.

2.Faltava rapar o tacho. Uma (in)feliz expressão popular para designar uma acção que tem como objectivo açambarcar o mais que se puder, no mais curto espaço de tempo; sem preocupação pelo dia de amanhã, nem para com a qualidade de vida dos outros. Trata-se de um acto egoísta, sem um pingo de moral ou de sabedoria, que visa acumular em benefício próprio, sem reconhecer aos outros o direito a uma vida digna e justa. Alguns autores integram este capitalismo num processo de globalização imperialista, com o enfraquecimento do local e do regional em clara desvantagem sobre um capitalismo criativo que transforma os locais em estações de serviços turísticos, com a instalação de grandes hotéis, grandes equipamentos de desporto e de lazer, capazes de mobilizar gentes com muito poder económico e com grandes capitais simbólicos e culturais.

Trata-se de uma transformação radical do território local, com a consequente gentrificação das suas vilas e aldeias, com a musealização do património ao serviço destas elites financeiras que ocupam os territórios, compram propriedades, casas e bosques onde passam 48 horas por ano, provocam uma inflação artificial dos solos por m2, a vida social torna-se impossível para os locais que não possuem poder económico para competir com os capitalistas de 48horas/ano.

A instalação deste capitalismo financeiro globalizado tem apoios locais, que vão desde os mediadores (brokers) que habitam na esfera da influência partidária aos pequenos empreendedores que procuram tirar dividendos materiais deste processo de gentrificação económica e social.

Perante esta situação de confronto e de assimilação entre o local e o global, o que podemos fazer? Alguns, resignados e submissos à vida económica e política globalizada, dizem nada; outros, alinhados por uma resistência activa, procuram na força de uma cidadania inteligente e participativa os instrumentos necessários para regular a “besta” capitalista e, dessa forma, introduzir instrumentos de controle, de equidade e de justiça social, económica e espacial.

Neste contexto de grande pressão turística é necessário e urgente um governo local com independência dos interesses capitalistas/turísticos globalizados e exógenos; constituído por pares com conhecimento, com ligação aos seus fregueses e capaz de dialogar com os seus habitantes sobre o direito ao lugar, à terra, à habitação, à educação, à saúde, às águas e bosques e possa criar políticas de equilíbrio económico e social. Os arouquenses vivem sobre o efeito da chamada janela de ferro de Max Weber. Uma espécie de aquário onde reina a ilusão, o delírio e a celebração festiva. Tudo isto é festa e dança. Mas tudo isto é exploração e alienação e sinal de empobrecimento. Não queremos fazer de Arouca uma ilha dos Açores.

A quantidade de jovens, que não encontram casa em Arouca nem trabalho digno, que são deslocados da sua terra, não obstante eles amarem tanto a sua terra. Poderei errar por exagero e amor à minha terra, mas penso que não existe povo que ame a sua terra como nós arouquenses, amamos Arouca. É por amor verdadeiro e fiel que lutamos por uma Arouca justa e digna, limpa e sustentável, onde todos os arouquenses e aqueles que por aqui ficam possam viver em paz e harmonia com as árvores e os bichos. (continua) (foto: Avelino Vieira)

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