O tema não é consensual, mas as limitações ao uso dos telemóveis em contexto educativo vão ganhando cada vez mais adeptos em instituições escolares nacionais e estrangeiras. Um debate multidisciplinar que vai envolvendo informáticos, psicólogos, pedagogos e muitos outros especialistas na matéria acerca dos benefícios e dos riscos do uso intensivo e desenfreado das novas tecnologias digitais e dos telemóveis em particular. O assunto é cada vez mais pertinente para professores, educadores, pais e encarregados de educação, num contexto social em que são raras as crianças e jovens que não dispõem do mágico teclado que lhes abre todas as portas de um mundo virtual globalmente partilhado, para o bem e para o mal, através de mágicas funcionalidades multimedia alusivas a imagem, texto e som. Os riscos de assédio digital e a falta de concentração estão cada vez mais presentes em crianças e jovens, levando já vários países como França, Itália, Grécia, Países Baixos ou Bélgica a introduzir a proibição de smartphones nas escolas. «A tecnologia deve melhorar, e não prejudicar, as experiências de aprendizagem e o bem-estar de alunos e professores», refere o relatório da UNESCO “A tecnologia na educação”, que recomenda às escolas que proíbam os telemóveis por estarem claramente associados à distração dos alunos na sala de aula.
OS DEVERES SEGUNDO O ESTATUTO DO ALUNO
Em Portugal, o Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei nº51/2012, artigo 10º) regulamenta que o aluno tem o dever de: “não utilizar quaisquer equipamentos tecnológicos, designadamente telemóveis, equipamentos, programas ou aplicações informáticas, nos locais onde decorram aulas ou outras atividades formativas ou reuniões de órgãos ou estruturas da escola em que participe, exceto quando a utilização de qualquer dos meios acima referidos esteja diretamente relacionada com as atividades a desenvolver e seja expressamente autorizada pelo professor ou pelo responsável pela direção ou supervisão dos trabalhos ou atividades em curso”; “não captar sons ou imagens, designadamente, de atividades letivas e não letivas, sem autorização prévia (…); e de “não difundir, na escola ou fora dela, nomeadamente, via Internet ou através de outros meios de comunicação, sons ou imagens captados nos momentos letivos e não letivos, sem autorização do diretor da escolas”. Um quadro legislativo que, contudo, deixa às escolas, no âmbito da sua autonomia, deliberar quanto à imposição ou não de restrições à utilização do telemóvel para fins escolares.
RESTRIÇÕES BEM ACOLHIDAS NO AE ESCARIZ
No que concerne às escolas do município de Arouca, o Agrupamento de Escolas de Escariz foi o primeiro a avançar, no ano lectivo anterior, com um plano de restrições à utilização de telemóvel no espaço escolar. «Apesar de no início do ano lectivo não ter havido grande aceitação dos encarregados de educação à medida de os telemóveis ficarem na sala de aula, os alunos acabaram por aceitar bem as regras», começou por referir ao Roda Viva o sub-director do agrupamento, Paulo Eusébio. «Em cada sala de aula existe uma caixa onde os alunos colocam os telemóveis e só os retiram quando mudam de sala ou quando terminam as suas actividades lectivas», explicou o docente, que frisa ainda os benefícios trazidos quer à convivência dos alunos, quer ao ambiente de trabalho na sala de aula: «Esta medida acabou por correr bem, pois permitiu que os alunos convivessem mais uns com os outros nos intervalos, as aulas tornaram-se mais tranquilas e o processo de ensino-aprendizagem decorreu da melhor forma». Hesitantes ou renitentes numa fase inicial, alunos e encarregados de educação acabaram, com o decorrer do ano lectivo, por reconhecer as virtudes das novas medidas regulamentadas desde há um ano nos documentos orientadores da vida da escola. «No final do ano letivo, tanto os alunos como os encarregados de educação estavam satisfeitos com a implementação desta medida», reafirma, em termos de balanço, o sub-director do agrupamento com sede em Escariz.
«OS TELEMÓVEIS CAUSAM PERTURBAÇÃO NA SALA DE AULA»
Passo similar vai dar agora o Agrupamento de Escolas de Arouca, depois de o Conselho Pedagógico ter ponderado sobre a questão e deliberado aprovar novas regras quanto à presença e uso dos smartphones no contexto escolar. «Notamos que os alunos estão muito dependentes dos telemóveis, das redes sociais, dos jogos… Os telemóveis causam perturbação na sala de aula e afectam o grau de convivência nos intervalos. Temos uma estratégia de melhoria da disciplina em sala de aula e no agrupamento. Foi uma medida que foi sugerida não só pelo grupo de trabalho que está a elaborar o plano de convivência na escola, mas também pelo próprio Conselho Pedagógico», explicou ao RODA VIVA a professora Amélia Rodrigues, directora do agrupamento escolar. Aqui, as restrições vão estar focadas sobretudo na sala de aula, pelo que, no final de cada unidade lectiva, os alunos poderão voltar à posse do telemóvel durante os intervalos, voltando a colocá-lo no recipiente disponível na mesa do professor no início da aula seguinte. Uma diferença relativamente ao que é já praticado nas escolas de Escariz, onde os telemóveis ficam retidos também nos intervalos das aulas. «Ainda não demos esse passo. Este é um ano experimental, depois avaliaremos como as coisas funcionam, pois poderemos ter que fazer alguns reajustamentos nos procedimentos», referiu a docente, que espera ver melhoradas a atenção e a concentração dos alunos no seu dia a dia escolar.
AE AROUCA APROVA NOVA CARTA DE CONDUTA
«É preciso que os alunos voltem a centrar a atenção deles nas aprendizagens, na importância de estudar e de estar mais focados no estudo e na recuperação das aprendizagens. Há uma grande dependência das tecnologias e o foco começa a desviar-se daquilo que é importante, que é estudar e conseguir melhores resultados. Isso não significa que as novas tecnologias não ajudem, elas ajudam, mas nós notamos que os alunos não as utilizam tanto para as suas aprendizagens, mas mais para divertimento e, muitas vezes, mesmo para um mau uso quando, por exemplo, se ofendem ou agridem uns aos outros, o que não é saudável», referiu a docente, apontando ainda a necessidade de serem contempladas algumas exceções às novas regras. ««Nem sempre o uso das redes sociais e dos telemóveis cumpre uma função pedagógica e isso é um problema. Claro que há situações que terão de ser salvaguardadas. Por exemplo, no caso de alunos diabéticos, ou quando os professores considerarem que o telemóvel é necessário para uma determinada actividade pedagógica.»
As medidas restritivas à posse e uso dos telemóveis aprovadas pelo Conselho Pedagógico vão constar da nova Carta de Conduta do agrupamento e estarão refletidas no Regulamento Interno. Já assimiladas pelos alunos das escolas de Escariz, as medidas que afastam os telemóveis dos espaços onde decorrem as actividades pedagógicas chegam agora ao conhecimento da comunidade escolar do maior agrupamento do município. MS/RV