“Admirável Mundo Novo” é o título do romance de Aldous Huxley, publicado em 1932, cuja acção decorre no ambiente ficcionado (profetizado), pelo autor, da Londres de 2540 d.C.. um ambiente, ou um mundo que a evolução científica, sobretudo no domínio da tecnologia reprodutiva e da manipulação psicológica, faz alheio ou desconhecedor dos valores da família, da religião e da moral, “irrespirável” para as pessoas actuais (1932), quando muito então (2540 d.C.) acantonadas em reservas musealizadas, preservando vivências passadas, modos e costumes “selvagens”, cercadas pela civilização reinante. Este alerta do autor para o que poderia ser a Humanidade no relativo longo prazo (2540) é alterado no seu estudo de 1958, que intitulou de “Regresso ao Admirável Mundo Novo”, no sentido de que o mundo corria a caminho do que previra no seu romance, mas de um modo muito mais célere do que o que então imaginara, incentivando, nesse trabalho, à tomada de medidas para evitar que a previsão se cumpra. E a verdade é que, quer em 1932, quer em 1958, Huxley, não dispunha do conhecimento hoje propiciado pelo avanço repentino e dificilmente controlável da inteligência artificial (IA). Com esta e o seu explosivo desenvolvimento e expansão, para além das radicais mudanças por que passará a vida dos homens em sociedade, em curtos decénios, há já mesmo quem, como o multifacetado investigador e escritor, Yuval Noah Harari, fundadamente vaticine a extinção do próprio Homo Sapiens por a IA o dispensar e se lhe substituir.
Perante esses alertas e vaticínios de um mundo sem alma, sem moral, sem valores, mesmo sem Humanidade, age-se por forma a evitar que tais vaticínios ou previsões se cumpram? Não.
De resto, a pensarem, comunicarem e procederem as pessoas, os países ou grupos de países, suas organizações ou blocos, como no presente ocorre, como será no breve amanhã o futuro dos nossos descendentes próximos?
É sabido como a vivência das crianças molda, condiciona, liberta ou traumatiza e se reflecte nas mulheres e homens em que se tornarão. E que vivência, hoje que as crianças estão mais atentas e observadoras que nunca, lhes estamos a proporcionar ao longo de todos os quadrantes em que o Globo se desdobra?
A de uma sociedade e um mundo em que grassa a mais bestial violência, o desamor e o ódio, de um mundo em que não há lugar para o diálogo e a compreensão, de insuperáveis e, muitas vezes, procurados conflitos, movidos ou mantidos por abjectos interesses ou viscerais animosidades, de um mundo maniqueísta, arrumados os bons de um lado e os maus do outro e vice-versa, de um mundo que, a poder da bala e da bomba, tudo destrói e arrasa e a todos, sejam crianças, como elas são, sejam adultos, mulheres ou homens, como seus pais, avós ou bisavós, entre eles jovens soldados, tantas vezes forçados, a todos, sem a mínima comiseração ou pejo e, quantas vezes até com expressos laivos de cínica satisfação dos algozes, chacina e frequentemente esmaga sob os pesados e disformes destroços das casas, aldeias e cidades destruídas e arrasadas, todos como se fossem meros números sem corpo e sem espírito, enquanto aqueles que de tudo isso decidem, protegidos dos ataques que reciprocamente ordenam pelas normas de procedimento que, entre si, estabeleceram, reúnem todos os meios e preparam todas as condições para poderem continuar a destruir e chacinar.
Perante tudo isto, como será amanhã a vivência e o mundo (por certo gigantesco passo antecipado para o vaticinado “Admirável Mundo Novo”) de homens e mulheres, constituído pelas crianças de hoje? E a quem responsabilizar pelos seus traumas e padecimentos e todas as previsíveis consequências destes? Vítimas e não responsáveis, serão, porém, eles que sofrerão e será a eles que, para cúmulo, como sempre, ficcionando uma culpa que eles não têm, o Poder e a Ordem, quando for o caso, responsabilizarão. Até quando, tudo isto?