Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente discussão sobre as práticas de limpeza de terrenos florestais, especialmente as queimadas controladas, que são tradicionalmente usadas para a gestão de vegetação em diversas regiões do mundo. No entanto, quando se observa a atual conjuntura climática e as exigências ambientais, é impossível não questionar a continuidade desta prática, especialmente quando se considera o impacto sobre a biodiversidade e o agravamento das condições climáticas globais.
Na Serra, onde a vegetação de urze e carqueja já floresce e desempenha um papel vital para as abelhas e outros polinizadores, a importância dessa flora não pode ser subestimada. O papel das abelhas é crucial para a manutenção da biodiversidade local e para a produção de alimentos. A urze e a carqueja são, sem dúvida, essenciais para a preservação desse ecossistema, que sustenta diversas espécies de fauna e flora e mantém o equilíbrio ambiental. Contudo, a realização de queimadas, mesmo controladas, mas tardias, coloca em risco esse equilíbrio e ameaça a saúde das populações locais, como as abelhas, e, por conseguinte, a sustentabilidade dos próprios recursos naturais.
Embora as queimadas sejam, muitas vezes, vistas como uma solução rápida e económica para a limpeza de terrenos, não podemos ignorar que as condições climáticas atuais não são as mesmas de 10 ou 20 anos atrás. As mudanças climáticas têm vindo a alterar a dinâmica dos incêndios florestais, tornando-os mais frequentes e intensos, e têm contribuído também para o acelerar da floração das espécies vegetais e a nidificação de várias espécies de aves, pequenos mamíferos e insetos que ficam expostos e em risco com as queimadas tardias.
Além disso, as queimadas têm um impacto direto na qualidade do ar, libertando gases poluentes e partículas que afetam tanto a saúde humana quanto o meio ambiente. As emissões de dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO) e outros poluentes atmosféricos contribuem para o agravamento do efeito estufa e para o aumento das mudanças climáticas. No contexto de uma Serra que, como muitas outras regiões, já enfrenta um clima cada vez mais imprevisível, os danos dessas queimadas controladas podem ser irreparáveis.

Outro ponto crucial a ser refletido é a questão das queimadas ilegais. Quando as queimadas controladas não atendem às necessidades e anseios das populações locais, muitas vezes ligadas à prática da pastorícia, surge o risco de incêndios ilegais, frequentemente realizados sem o mínimo controle ou regulamentação. Estes incêndios, além de devastarem de maneira indiscriminada, causam ainda mais danos à fauna e à flora local, ao mesmo tempo em que põem em risco a segurança das comunidades vizinhas. Veja-se o recente exemplo em Arouca, as queimadas controladas terminaram na semana passada (com a vegetação já em flor) e logo nos dias seguintes tivemos várias ocorrências de incêndios florestais em zonas de pastoreio como na Serra da Freita ou no S. Pedro do Campo, Alvarenga.
Portanto, é imperativo que as políticas públicas adotem uma abordagem mais cautelosa e adaptada às realidades ambientais atuais. As queimadas controladas, como medida de manejo florestal, precisam ser repensadas. Devemos investir em alternativas mais sustentáveis e menos destrutivas para a limpeza de terrenos florestais, como o uso de máquinas agrícolas, que, embora exigem investimento inicial, têm um menor impacto ambiental. O uso de tecnologias inovadoras que permitam uma gestão mais eficiente da vegetação sem recorrer ao fogo é uma solução que precisa ser considerada com mais seriedade, assim como o incentivo a práticas que promovam a preservação dos ecossistemas locais. Pedro Bastos