Depois do PRR, o que será da Quinta Social?

No passado dia 10 de outubro assinalou-se o Dia Mundial da Saúde Mental, este ano com a temática “Saúde mental em contextos de emergência humanitária”.

É importante que olhemos para a saúde mental como uma prioridade de saúde pública e de justiça social. O recente estudo que coordenei com jovens do ensino superior revela dados alarmantes, sendo a percentagem de jovens com sintomas de ansiedade e depressão de quase 40%. Os jovens com estatuto socioeconómico mais baixo são os que apresentam mais sintomas. Estudos nacionais e internacionais com outras populações são consistentes quanto a este fator de risco. Não há justiça social no que respeita à saúde mental, sendo os grupos economicamente mais desfavorecidos os que apresentam maior risco de doença mental.

Como agravante, não há respostas suficientes no Serviço Nacional de Saúde, nem nos cuidados de saúde primários, nem nos cuidados hospitalares. Quando, por exemplo, alguém sofre de depressão e vai a uma consulta médica é-lhe prescrita medicação, sem uma resposta complementar não farmacológica, apesar de estar provado cientificamente de que para o tratamento das doenças mentais o mais eficaz é uma combinação entre medicação e intervenções psicoterapêuticas.  Há uma clara escassez de recursos de reabilitação psicossocial em Portugal onde as pessoas possam recuperar a sua autonomia, sentir-se úteis e incluídas. Com isto, sofrem as pessoas a sofre a sua família que se vê perdida e sem apoio.

Por todos estes motivos e pela importância de recursos de proximidade na área, foi com muito agrado que tomei conhecimento do projeto “Quinta Social Inclusiva e Comunitária”, financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Como se pode ler no site da Câmara Municipal, este projeto está a decorrer na Quinta do Reguengo, freguesia de Chave, e tem como propósito acolher cerca de 30 pessoas, entre os 18 e os 65 anos, que apresentem sofrimento mental, com o objetivo de desenvolverem competências pessoais, sociais e profissionais, com vista à sua integração social. A obra de requalificação da casa principal da Quinta está neste momento a ser realizada.

Este projeto pode marcar a diferença no concelho de Arouca, ao apostar numa resposta local para quem mais precisa de apoio. Mas é preciso cuidar dele e não deixar que, como aconteceu como muitos outros projetos, termine! O futuro o dirá: estaremos perante um projeto, que como muitos outros, se desmoronará? Haverá outro destino futuro para a Quinta do Reguengo ou servirá sempre este tão nobre propósito para o qual foi financiado?

Há questões que não podem ser ignoradas:

  • O financiamento termina no final do ano, e ainda não há garantias de continuidade após o encerramento do programa.
  • Os contratos dos profissionais, como terapeuta ocupacional e psicóloga, são a curto prazo, deixando em aberto o futuro de uma equipa essencial para o acompanhamento dos utentes.
  • As obras continuam em curso, o que significa que o espaço ainda não está plenamente operacional.

A Quinta Social não pode ser apenas um projeto de calendário ou um símbolo momentâneo. Asustentabilidade futura depende de um compromisso político firme e de uma visão que valorize a saúde mental e a justiça social.
Se queremos uma sociedade mais justa, é preciso garantir que o apoio às pessoas com doença mental e suas famílias não termina com o prazo de um contrato ou com o ciclo de um mandato autárquico

É essencial que:

  • o próximo executivo municipal assegure a continuidade do financiamento e das equipas técnicas;
  • as obras sejam concluídas com qualidade,
  • a comunidade seja envolvida neste processo, porque a saúde mental e a inclusão social são responsabilidades coletivas.

À data em que escrevo este artigo, ainda não sei quem será o próximo presidente da Câmara Municipal de Arouca, nem a composição do executivo municipal. Mas sei o quanto é importante que este projeto perdure e não passe apenas de “fogo de artificio” momentâneo. Os Arouquenses merecem compromissos firmes e duradouros.

A Quinta Social é um investimento na dignidade humana, e não pode ter prazo de validade!

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