Da Guiné a Paris, com passagem por Arouca

O Turismo de Portugal atribuiu dez bolsas enquadradas no Programa Luís Patrão, iniciativa que promove a criação de uma rede de jovens profissionais com percursos formativos de excelência e de elevado potencial e talento. Uma delas foi entregue a uma formanda que passou pelos cursos profissionais do ensino secundário em Arouca, e que foi interna no Patronato.

Débora Gomes Sá, 21 anos, natural da Guiné-Bissau, três irmãos, tem residência em Arouca, e contou ao RODA VIVA a sua história de vida, a passagem pelo Patronato, e a importância que a bolsa de estudo e formação ‘Luís Patrão’ poderá vir a ter no seu futuro profissional. Cozinhar é a sua grande paixão!

Débora Sá, na primeira pessoa:

«A Bolsa Luís Patrão representa um grande reconhecimento pessoal pelo meu esforço, persistência e trabalho no investimento no meu percurso profissional. Esta oportunidade abre portas para novas aprendizagens, colaborações e, eventualmente, para contribuir de maneira mais significativa para a realização de um sonho: ser chefe e ter o meu próprio negócio. Também implica uma responsabilidade adicional de honrar o legado e os valores que a Bolsa Luís Patrão representa. Ser eleita entre tantas candidaturas significa que o meu trabalho, compromisso e potencial foram valorizados por especialistas, o que, além de orgulho, traz uma motivação extra para continuar a investir no meu percurso/sonho.

Actualmente estou na área da gastronomia, curso o Bachelor in Culinary Arts na Ecole Ducasse – Paris Campus.

Para mim, cozinhar é mais do que um trabalho; é uma forma de expressar os meus sentimentos e dar asas à criatividade. Quando confecciono um prato, o que mais me agrada é ver que o resultado final corresponde àquilo que imaginei. É também muito importante perceber que as pessoas que experimentam o meu prato realmente gostam dele. No futuro, gostaria que, ao degustarem os meus pratos, as pessoas despertassem sentimentos e lembranças, como as da infância, por exemplo.

Passei minha infância até os oito anos com a minha avó materna em Bissau. Comecei a cozinhar aos seis e desenvolvi desde cedo um gosto pela cozinha, influenciada pela forte ligação com a minha avó e as comidas que ela preparava, baseadas em receitas antigas e no uso de muitas especiarias e produtos da terra. Como diz Fernando Capella Reis: “Cozinhar é como um espectáculo: é preciso muita organização, treino, dedicação, conhecimento e amor para que, no final, os cinco sentidos o aplaudam de pé”.

Em 2011, com oito anos, vim para Portugal com as minhas irmãs, Úrica Gomes Sá e Indjiline Gomes Sá, para estudar e viver com o meu pai. No mesmo ano, em Dezembro, ingressei no Centro Paroquial de Promoção Social da Rainha Santa Mafalda de Arouca – Patronato, junto com a minha irmã Úrica, que vive e trabalha em Arouca na área da cozinha. No Patronato, consegui concluir o 12º ano.

Quanto à realidade do Patronato, sem parecer ingrata ou desrespeitosa, tudo o que conquistei, inclusive esta bolsa, não foi graças à instituição ou ao apoio deles. Muito pelo contrário, sempre me passaram a ideia de que eu não teria capacidade para continuar a estudar. É triste dizer, mas é a pura verdade. A realidade na instituição é que, quando as meninas terminam o 12º ano ou atingem os 18 anos, são convidadas a sair, sem qualquer preocupação em prepará-las para o futuro ou ajudá-las na transição para o mundo exterior. Esse é o desafio de muitas meninas. Jovens tiradas de famílias completamente desestruturadas, e, ao atingir a maioridade, são lançadas no mundo sem amparo por parte da instituição e, muitas vezes, sem poder contar com suas próprias famílias, que não têm como ajudá-las.

Nos anos que passei no Patronato, conheci muitas colegas e fiz grandes amizades. Posso dizer que, assim como eu, muitas meninas também tinham sonhos e capacidades que foram constantemente desvalorizados.

A nossa saída da instituição, refiro-me a mim e à minha irmã, foi bastante difícil. Durante esse período, sofremos abuso psicológico constante por parte de algumas funcionárias. E mesmo após a saída, não houve qualquer preocupação em saber se estávamos bem ou se tínhamos onde morar.

É triste saber que muitas das meninas que por lá passaram sofreram com situações graves, comparadas às nossas, e a maioria não conseguiu seguir seus sonhos e objectivos. Porém, tive o prazer e a sorte de conhecer a família Ferreira Pinto, que sempre nos apoiou, a mim e à minha irmã Úrica, e continua a apoiar-nos em tudo. As nossas primeiras datas comemorativas em Arouca foram passadas na casa da avó Esmeralda, onde fomos muito bem acolhidas com todo o amor e carinho, especialmente nas festas como Páscoa, Natal e Ano Novo. É uma família pela qual tenho muito apreço e gratidão, por todo o apoio que nos deram e por acreditarem nas minhas capacidades, estando sempre presentes em cada passo que dou. Nunca terei palavras suficientes para agradecer tudo o que essa família já fez por mim e pela minha irmã.

Aproveito também para agradecer à Câmara Municipal de Arouca, à Junta de Freguesia, aos Rotary de Arouca, Agrupamento de Escolas de Arouca pela educação escolar, à Escola de Hotelaria do Porto pela formação que me proporcionou e pelo convite para participar na Bolsa Luís Patrão, e à pessoa mais importante para mim, a minha irmã Úrica, pelo apoio e carinho. Agradeço ainda à professora Arlinda e ao professor Pedro, do Centro de Estudos do Patronato, e ao povo de Arouca por me ter recebido tão bem nesta terra linda que me traz paz». JCS

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