Raquel Pinho: da freguesia de Mansores para os estádios da UEFA e da FIFA

Nasceu e reside em Mansores a melhor árbitra assistente da Liga Portuguesa de Futebol Feminino – Liga BPI, época 2023/2024. Falamos de Raquel Pinho, árbitra assistente dos quadros da AF Aveiro que acaba de ser promovida pelo Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) a árbitra assistente internacional, uma distinção que confere à árbitra arouquense, de 24 anos, o novo estatuto de árbitra assistente FIFA a partir do próximo mês de Janeiro.


Dos campeonatos da AFA à Liga BPI

Raquel Pinho iniciou-se na arbitragem no âmbito dos campeonatos da AF Aveiro , tinha então 17 anos, abraçando desde aí, com determinação, uma carreira recheada de desempenhos competentes que a projectaram para os quadros da FPF, passando a assumir, desde 2022, as nomeações para o principal campeonato nacional de futebol feminino, a Liga BPI.

Na final da Taça de Portugal

Grandes palcos

A árbitra assistente mansorense conta já um rico currículo, que se foi valorizando com as convocatórias para os encontros da Liga BPI e para eventos marcantes do futebol feminino nacional e internacional, entre eles a Final da Taça CTT (Janeiro de 2018), no Estádio Municipal de Braga, como árbitra jovem; a final da Taça de Portugal (Maio de 2024), entre Benfica e Racing Power (4-1); a Final da Supertaça (Agosto 2024) entre Sporting e Benfica (2-1); o European Women’s Under-17 Championship 2024 Group A1 (Outubro 23); o Grupo 1 de qualificação para o Campeonato da Europa de Sub/17 Femininos (Outubro 24); o WEURO (Abril de 2024), em Oslo, jogo Noruega-Finlandia e a UEFA Women’s Champions League 2024/2025 – Round 2, jogo Arsenal- BK Häcken (Setembro de 2024).

Homenagem na Gala da APAF

«MUITAS PESSOAS NÃO SABEM A EXIGÊNCIA QUE É SER ÁRBITRO E ÁRBITRA NOS DIAS DE HOJE»

Licenciada em Gestão, a árbitra internacional da AF Aveiro respondeu amavelmente ao convite de Roda Viva para contar o início de uma experiência extraordinária, que se vai estendendo pelos grandes palcos do futebol. Uma dedicação à arbitragem que Raquel Pinho vai conciliando com a vida profissional numa empresa da região.


De onde lhe vem o interesse pelo futebol e pela arbitragem?

«A história da minha entrada na arbitragem não é a habitual, nunca tive nenhum parente nem amigo ligado à arbitragem. Desde nova que sempre me interessei muito por futebol, nunca joguei, apenas no recreio da escola, mas acompanhava sempre o meu pai [Geraldo Pinho] quando ia ver o clube da terra. Um dia a minha irmã enviou-me uma publicação no Facebook da Associação Futebol de Aveiro que respeitava a um curso de arbitragem que iria abrir. E eu senti aquilo como uma oportunidade de aprender mais sobre futebol, então inscrevi-me e foi aí que tudo começou.»


Como foi todo este percurso, dos quadros da AFA aos quadros da FPF?

«O meu percurso na arbitragem começou em 2017, quando tinha 17 anos. Desde aí entrei nos quadros de árbitra assistente da Associação de Futebol de Aveiro. Entrei numa equipa de arbitragem onde fiz muitos jogos a nível distrital, desde o escalão de traquinas até ao escalão de seniores. E foi esta quantidade imensa de jogos que me fez evoluir e aprender. Basicamente, desde muito cedo que fui “atirada aos leões” e agradeço hoje por isso. Em 2021 fui fazer o seminário de árbitra assistente à FPF, mas não consegui ficar nos quadros da FPF por não ter pisado uma linha numa das provas. Na altura fiquei muito revoltada comigo própria, porque sabia que era capaz de fazer aquela prova, mas como queria fazer no mínimo tempo possível não cumpri e não pisei a linha.»


Pelo que tem conquistado, esta contrariedade não a abalou…

«Este “ponto baixo” na minha vida ensinou-me muito, aprendi várias lições: nunca se pode treinar para o mínimo, mas sim para o máximo. Temos de ser perfeitos em tudo que fazemos, o nosso sucesso só depende de nós. No ano seguinte, com uma mentalidade diferente, voltei a participar no seminário de árbitra assistente e comecei a fazer parte do quadro de árbitras assistentes da FPF, começando a fazer jogos da Liga BPI. Recentemente fui promovida pelo conselho de arbitragem da FPF a árbitra assistente internacional, sendo que serei arbitra assistente FIFA a partir de Janeiro 2025.»


A formação de árbitras implica a mesma exigência e rigor. Como tem lidado com esta exigência crescente?

«Muitas pessoas não sabem a exigência que é ser árbitro e árbitra nos dias de hoje. Não é só pegar no apito ou na bandeira ao fim de semana e ir aos jogos. Durante a semana temos diferentes tipos de treinos físicos, formações de diferentes temáticas, temos de fazer scouting das equipas antes do jogo e, depois do mesmo, analisar para ver onde erramos e como podemos melhorar. Sendo assim, há toda uma preparação antes do jogo e após o jogo que exige bastante tempo, mas, como se costuma dizer, quem anda por gosto não cansa.»

Como encara a introdução da video-arbitragem?

«Inicialmente, a Liga BPI não tinha vídeo arbitragem, mas na época passada começou a possuir essa ferramenta que, na minha opinião, é uma mais valia para todos os intervenientes, pois quando a verdade desportiva é reposta todos podemos chegar a casa e estarmos de consciência tranquila.»


Chegar a árbitra internacional estava nas suas expectativas? Até porque tem agora responsabilidades acrescidas graças a este novo estatuto…

«A chegada a árbitra assistente internacional, como é obvio, está nas expectativas de toda as árbitras. Quando se está nos quadros distritais queremos alcançar os quadros nacionais, quando se conclui esse objectivo ganha-se outro, que é chegar a internacional. Agora que consegui atingir este último objectivo da lista, tenho de trabalhar mais e mais para conseguir alcançar a próxima meta.»


Como avalia a evolução do futebol feminino português, com cada vez mais atletas femininas a jogar?

«É um orgulho para mim e deveria ser para todos os portugueses. De facto, quando falamos em futebol feminino português, podemos ver uma evolução muito grande em um curto espaço de tempo. Mas ainda está em crescimento e acredito que ainda irá evoluir mais.»


A AFA e a FPF têm, certamente, proporcionado condições para o progresso da arbitragem feminina. Sente essa evolução neste capítulo do futebol feminino português?

«Sim, concordo. A AFA e a FPF têm contribuído para a evolução da arbitragem feminina que começou com a criação de quadros próprios para as árbitras e agora com a constante formação e apoio que ambas as entidades têm dado a nós, arbitras e arbitras assistentes, para evoluirmos. Um marco importante recente nesta temática foi a profissionalização de algumas árbitras. Já agora fica aqui o meu apelo para as raparigas, para as mulheres: venham experimentar a arbitragem, é um desafio muito interessante.»


O que significa para si estar presente nos grandes palcos do futebol feminino nacional e internacional?

«É um sentimento inexplicável ao ver que o meu trabalho está a ser reconhecido. E é um orgulho enorme ir representar-nos a nível internacional.»


Lida bem com as reações vindas das bancadas? Sente que as mulheres da arbitragem são também respeitadas ou há ainda muito a fazer para mudar mentalidades?

«As reações dos adeptos sempre foi um aspeto que nunca me afetou. Com o passar do tempo vamos deixando de ouvir tanto, pelo menos comigo funciona assim. Como estou tão concentrada no meu trabalho, nem ouço. Quando entrei para a arbitragem as pessoas não respeitavam tanto, mas, agora, sinto que quando os adeptos vêm que o árbitro é uma mulher, já não é novidade para eles. Mas, sim, ainda há muitas mentalidades para mudar perante as reacções dos adeptos, não só a nível das mulheres na arbitragem, mas também a nível de toda a arbitragem.»

Raquel Pinho com Cristiana Costa, promovidas a internacionais

Como consegue conciliar a sua vida profissional e pessoal com a da arbitragem?

«Nós, árbitros, temos de fazer uma gestão de todo o nosso tempo, pois cada vez mais temos de dedicar-nos mais à arbitragem. Entre os anos de 2018 e 2020 estive a tirar uma licenciatura em Gestão, no IPG , na Guarda, e, quando vinha a casa, no fim-de-semana, na maior parte das vezes saía de casa de manhã cedo e regressava apenas ao final do dia, ou mesmo já de noite, tanto no sábado como no domingo, para ir apitar jogos, nessa altura nos distritais. Sendo assim, pouco tempo me restava para a minha família e amigos, inclusive houve algumas pessoas a dizerem-me que era melhor eu deixar o futebol e dedicar-me a concluir os estudos.»


Não desistiu nem de um nem de outro…

«Desistir da arbitragem nunca foi opção para mim. Consegui terminar a minha licenciatura, um sucesso académico que me permite hoje trabalhar na mesma área. Neste momento estou a trabalhar na parte administrativa de uma empresa e, em acordo com a entidade patronal, tenho conseguido conciliar o meu trabalho com a arbitragem. Esta gestão toda não é fácil, mas tenho tentado orientar a minha vida por forma a não deixar nada para trás, tanto a nível profissional como também a nível pessoal, família e amigos.»


Tem 24 anos. Até onde pretende chegar?

«Só o tempo dirá, só sei que não irei acabar aqui. Sou uma pessoa que quer sempre mais, mas com os pés assentes na terra. Sei que, para isso, tenho de trabalhar muito e é nisso mesmo que estou focada agora. A partir daí, as oportunidades irão surgir.»


Que mensagem ou nota final quer deixar?

«Só realçar que a sorte dá muito trabalho. Só com trabalho é que conseguimos alcançar os nossos objectivos e, para isso, só dependemos de nós próprios. Quero mencionar ainda que nunca nos podemos esquecer dos outros, sermos humildes é das melhores virtudes que podemos encontrar num ser humano. Queria, por último, deixar a todas as pessoas que me ajudaram e que fazem parte deste meu percurso o meu muito obrigada, do fundo do coração.» Manuel Matos/RV (fotos: AFA/FPF/APAF)

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