A alegre casinha de Maria Alice já não existe

Todo o percurso de Canelas à Espiunca e a subida até ao lugar de Vila Viçosa é um mundo impressionante de terra queimada. Muitas fumarolas e má qualidade do ar persistem desde os últimos dias em que a região foi martirizada por incêndios impiedosos. Pelo caminho avistam-se também vários piquetes de bombeiros e de forças de protecção civil atentos ainda a qualquer vestígio de reacendimento. Maria Alice Soares, habitante de Vila Viçosa, foi uma das vítimas de mais uma imensa tragédia em território arouquense. Perdeu a casa, junto à estrada, em que morava há cerca de três décadas. Na hora da reportagem, não encontramos D. Alice nem qualquer dos seus familiares no local, mas o triste testemunho dos prejuízos materiais e afectivos estavam lá, ainda em carne viva, na destruição que deixou em carvão a alegre casinha em que viveu a idosa de 81 anos.

Um cenário de ruína

Da faina diária e do aconchego do lar de D. Alice restam agora apenas as saudades, na casinha que é (era) a última do lugar para quem segue de Vila Viçosa para Castelo de Paiva, ou a primeira que se encontra para quem vem no sentido contrário. Três botijas de gás espalhadas no quintal indiciam que terão havido cuidados para tentar escapar ao pior, que, contudo, não foi possível evitar face à força ascendente das labaredas e, conta-se, também a uma imprevista falha de água. No exterior, um cenário de ruína, lá dentro o quase nada que resta dos bens familiares. Ao rés do chão, uma placa indica ainda o número de porta da casinha de D. Alice, mas, a meia altura do poste de luz situado à esquerda do que resta do pequeno edifício, uma pequena lousa recorda a “Casa da Pedra Chã”, outrora cheia de vida e hoje moribunda sob a fumaça esbranquiçada agarrada ainda aos ares de Vila Viçosa, da Espiunca e dos territórios vizinhos de Castelo de Paiva e Cinfães. Segundo soubemos, a senhora está bem e ao cuidado de sua filha, e isso é a melhor notícia.

«O vento era muito e as chamas tinham muitos metros de altura»

Ali perto, pela estrada a cheirar a queimado, seguia, lentamente, o senhor Manuel. Parámos para conversar com o habitante de Vila Viçosa, aldeia que, diz-nos, apenas deixou por longo tempo na altura em que foi para a tropa. De cima dos seus 74 anos, o senhor Manuel não hesitou em contar que não se recorda de «tão grande incêndio» na região. «Já houve por cá vários fogos, mas nunca vi um incêndio destas dimensões e muito menos algum aparecer tão perto da minha casa. Senti medo.» Conta que as autoridades de protecção aconselharam à saída dos moradores, mas realça também a função protectora dos bombeiros. «Os bombeiros – até estavam cá alguns de Évora – ajudaram a proteger casas que estavam em perigo». «De noite, o fogo estava ainda longe, mas a partir da manhã desceu a encosta e subiu rapidamente até nós», recorda, ainda comovido. «O vento era muito e as chamas tinham muitos metros de altura. Era um inferno. As pessoas estavam sobressaltadas», recorda o morador de Vila Viçosa que, felizmente, não teve prejuízos. À direita e à esquerda das vias de Canelas e da Espiunca, e até aonde o olhar pode enxergar o horizonte, a mesma desolação, a desolação total num Geoparque Arouca cada vez mais vulnerável à mão criminosa e a uma florestação questionável. Manuel Matos Sousa/RV (texto e fotos)

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