CARLOS BARBOSA
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Propósitos
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OPINIÃO | Nem sempre conseguimos escolher a carga, mas está ao nosso alcance escolher como carregá-la
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As notícias e sobretudo as imagens que nos foram chegando da Síria e da Turquia, resultantes do sismo ocorrido no início de fevereiro, provoca, mesmo nos mais insensíveis, um misto de tristeza, porém, também de alguns regozijos. Tristeza pelo sofrimento, perda e fundamentalmente pela imensa provação e dor que aquela gente tem vindo a sofrer. Não apenas na sua história mais recente, mas também desde os primórdios da sua existência, este é um povo que tem sofrido mais do que devia. Ora pela mão da Natureza, ora pelas mãos do próprio homem. Todavia, no meio de tanta tristeza, temos tido momentos de uma enorme felicidade. Felicidade que muitas vezes advém da esperança bem nutrida dos membros das equipas de resgate e obviamente dos sobreviventes, que refletem a capacidade humana de resistir para além do imaginável. Vivemos o tempo da voracidade da informação e tal, faz com que cada vez mais nos preocupemos com as histórias que os outros vivem, perdendo o foco no que é efetivamente a nossa história. O perigo que daqui advém é que vamos sendo orientados por uma agenda informativa, que nos afasta do que deve ser o nosso verdadeiro foco. Isso faz com que de ambulemos entre o que são as necessidades e os desejos de cada um de nós, fazendo com que os confundamos. Quando não sabemos distinguir os nossos desejos das nossas necessidades, torna-se mais complexa a definição dos nossos propósitos de vida. Efetivamente, o que torna possível a esperança no que quer que seja, é o propósito que formos criando. Seguramente, o que fez com que alguns dos sobreviventes resgatados dos escombros, originados pelo sismo, se tenham mantido vivos depois de mais de 100 horas soterrados, e em alguns casos ainda mais, foi a esperança aliada ao seu propósito. Viktor Frankl, psicólogo e pai da área da psicologia que estuda o sentido da vida, aludia que essa vontade de sentido, é a maior força motivadora do ser humano. Este Psicólogo de origem judaica, sobreviveu a quatro campos de concentração e presenciou o que de pior podemos imaginar. Contudo, segundo ele, viu morrer grande parte dos prisioneiros não por fome ou maus-tratos, mas fundamentalmente por terem falta de um sentido e de um propósito que os mantivesse presos à vida e que alimentasse essa esperança de viver. Acredito que o mesmo se passou com uma grande parte dos sobreviventes do sismo, para poderem ter resistido a tal provação. Tudo isto me faz viajar para o futuro bem próximo, que seguramente iremos viver. Garantidamente que iremos passar por uma fase muito conturbada nos próximos tempos. A inconstância económica conduzirá a uma instabilidade social de contornos ainda por escrutinar. Tal, necessitará que cada um de nós se possa recentrar no seu verdadeiro propósito. Naquilo que realmente nos empolga e estamos dispostos a perseguir. Todos nós necessitamos de acreditar em algo que nos faça vibrar e empolgar. Uns veem esse propósito encarnar na formação dos seus filhos. Outros nas suas carreiras profissionais. Outros ainda, em dimensões menos tangíveis, como projetos sociais ou solidários. A importância de tudo isto é fazer com que as nossa vidas façam sentido, apesar das enormes dificuldades e provações que seguramente passaremos. Nem sempre conseguimos escolher a carga, mas está ao nosso alcance escolher como carregá-la. Acredito seriamente que, quando definimos os nossos propósitos e nos centramos neles, temos uma maior propensão para podermos ser mais fortes emocionalmente e robustecidos no nosso otimismo para ultrapassar o que aí virá. Um otimista não promete que tudo irá ficar bem, mas vaticina que arranjaremos forma de tudo ficar bem. Desejo que tudo fique bem!
(texto publicado na edição impressa do RODA VIVA jornal de 2023.03.16)
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