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MAFALDA FERNANDES
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O Monte Grande
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OPINIÃO | Só pássaros e uma ou outra raposinha amedrontada
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O Monte Grande é uma elevação de terreno de 200 metros de altitude que fica situado bem no centro da antiga vila de Cabeçais e que foi sempre, particularmente noutros tempos, tão prestimosa para as suas gentes com os produtos que foi fornecendo para ajuda nas lides domésticas que mais se assemelha a uma entidade benfazeja daquela localidade.
Nos fins dos anos 40 do século passado, as meninas residentes e naturais da antiga vila tinham por hábito subir ao cume do Monte grande para ver o mar. Realmente vê-se bem uma grande faixa de mar do cume daquele monte. Não é que aquelas meninas não tivessem contacto com a praia. Todos os meses de Setembro, as suas famílias davam-se ao cuidado de passar uns dias largos à beira-mar, geralmente trinta dias, para beneficiar os adultos e as crianças com a proximidade benéfica do oceano. E as meninas e os meninos seus contemporâneos tomavam banho de mar pela mão dos banheiros, que lhes enfiavam as cabeças nas ondas para que recebessem bem, o melhor possível, os benefícios das águas marinhas,
que não são só de água e sal, como se sabe. O berreiro era enorme, mas não mantinha muito tempo os meninos naquelas condições, que os meninos e as meninas consideravam um grande sacrifício. Apesar disso, os meninos e as meninas gostavam muito da praia e, nos meses não estivais, subiam ao Monte Grande para ver o mar, porque as saudades eram muitas.
Duzentos metros num matagal não é coisa fácil, mas as meninas não tinham medo. Não havia lobos por ali. Só pássaros e uma ou outra raposinha amedrontada.
Os adultos, sem excepção, eram verdadeiramente amigos das crianças e congratulavam-se à vista desarmada com a sua existência. E, naquele tempo, a pedagogia intra-muros escolar bania e repudiava a teoria do homúnculo, que é a tendência para transformar, tanto quanto possível e em todos os aspetos, a criança em adulto. E, não há dúvida de que a pedagogia, mesmo em clima intra-muros escolar, não deixa de originar uma sociedade saudável e contida.
No sopé do Monte grande só existia um grande barracão que era útil aos resineiros para guardar os recipientes da resina. E, a maior parte das vezes, não tinha mesmo nada.
Hoje, há moradias primorosas e um palacete que já viveu, há uns anos, os seus dias de glória. Aquele palacete, também dos anos 40 do século passado, sem grandes arrebiques nem pormenores escusados, mas que não deixa de ser uma
belíssima construção, embora deserta, albergou nas suas salas e salinhas, durante muitos anos, no tempo em que os seus proprietários, os inesquecíveis Sr. Jaime de Castro e Sousa e sua esposa, senhora Dona Dininha, a fina flor dos profissionais de saúde do Porto, nomeadamente senhor Professor Doutor Álvaro Rodrigues, irmão da senhora Dona Dininha, cirurgião e investigador, pioneiro na doença do cancro, agraciado como homenagem com a chave de ouro da cidade do Porto, o Sr. Dr. Mário Rocha, seu assistente, o Sr. Dr. António Tenreiro, familiar e notável cardiologista do Norte, e muitos outros. Pela Senhora da Saúde e ao crepúsculo da tarde, alguns deles bem como alguns familiares subiam à varanda superior para contemplar, ao longe, na fímbria do horizonte, a cidade do Porto iluminada.
As meninas também tinham a noção de horizonte. Talvez um pouco alargado, porque a questão é que a verdadeira distância da antiga vila de Cabeçais ao mar não vai além de uns cinco ou seis quilómetros, em linha recta.
E aquela faixa de terra que as meninas gostavam de contemplar era todo aquele território à beira-mar que, por aquela altura, se intitulava a Costa Verde.
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