LUIS BRANDÃO
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Como se perdoa um não crime?
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OPINIÃO | Continuam a existir Prisioneiros de Consciência que merecem a nossa mobilização
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No último artigo, acabei a recomendar uma visita ao site da Amnistia Internacional. Com essa visita conseguimos facilmente perceber o papel desta organização. Esta, como outras organizações não governamentais merecem, desempenhando um papel muito importante na sociedade atual. São instituições, transparentes e profissionais, que prestam serviços importantes em vários eixos, como: luta contra a fome, promoção de direitos humanos, saúde pública, acesso a água e saneamento ou socorro em catástrofe (como testemunhamos com o papel de Médicos sem Fronteiras ou The White Helmets no socorro às vítimas do sismo da Turquia e Síria). No caso da Amnistia Internacional, há uma curiosidade que facilmente nos faz perceber a sua importância e propósito. A organização nasceu em Londres, em 1961, após Peter Beneson, seu fundador, ter lido um artigo que relatava a prisão e condenação a sete anos de prisão de dois estudantes portugueses, de Coimbra, por estes terem brindado com um "viva a liberdade". No artigo The Forgotten Prisoners (em português: Os Prisioneiros Esquecidos), publicado no jornal The Observer do Reino Unido em maio de 1961, Beneson descreve a facilidade com que encontramos uma notícia de jornal que reporte a prisão, tortura ou execução de alguém por opiniões ou religião inaceitáveis para seu governo. Explicando liberdades basilares, Beneson refere que "os governos não são insensíveis à pressão da opinião externa" e que, por isso, é importante mobilizar a opinião pública. Acabaria por ser este o mote para a criação da Amnistia Internacional, tornando o artigo um texto quase fundacional da organização. Hoje, tal como em 1961, continuamos com muito por fazer e, infelizmente, o artigo continua atual. Hoje temos países, como Afeganistão e Irão, com um retrocesso significativo dos direitos humanos. No Afeganistão assistimos (covardemente) ao tratamento bárbaro das mulheres, onde são afastadas da vida na sociedade. É-lhes negada educação e trabalho e estão banidas da colaboração com ONGs (fonte principal de ajuda humanitária no país). A violência, detenções infundadas e o casamento infantil e forçado aumentaram. E quase se extinguiu a liberdade de movimentos e o apoio a vítimas de violência doméstica. No Irão, sucedem-se prisões por apelo à liberdade, com julgamentos sumários e sem garantias. Chegam notícias de pessoas presas ou perseguidas por dançarem ou pelo não uso do hijab. Ao mesmo tempo, ocorrem execuções de manifestantes que, de forma bárbara, são apresentados como exemplos para desmobilizar protestos de apelo à liberdade. Hoje, como em 1961, continuamos a ter Prisioneiros de Consciência. E, como escrevia Carlos Drummond de Andrade em 1979, falando da ameaça aos indígenas Yanomami: «Não é necessário voar até lá (...). Basta, primeiro, que você tome conhecimento da existência deles». Há umas semanas esse conhecimento e consciência internacional levou o Irão a declarar uma amnistia a dezenas de milhares de prisioneiros. Mas o passo é curto e não deve tirar-nos peso da consciência. Continuam a existir, no Irão (e não só), milhares de Prisioneiros de Consciência que merecem a nossa mobilização. E, além disso, como se perdoa um não crime?A ler: Gustavo Carmona, "O que significa ser, humano?" Esta e outras crónicas de Gustavo Carmona, no Público, falam sobre a importância de olharmos a humanidade como a nossa casa comum. Este médico, que passou já pelos Médicos Sem Fronteira, explica a necessidade de percebermos que "os filhos dos outros são tão importantes como os nossos."
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